São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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A curva que abalou os eua

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O livro mais debatido nos Estados Unidos nas duas últimas semanas, ``The Bell Curve" (``A Curva do Sino"), escrito por um sociólogo e um psicólogo, não contém qualquer novidade científica nem traz propostas políticas inéditas.
Seu sucesso se deve em parte a uma excelente operação de marketing montada pela editora (The Free Press, uma divisão da Simon & Schuster) e em especial ao ambiente político predominante nos EUA.
O sociólogo Charles Murray e o psicólogo Richard Herrnstein (que morreu de câncer em setembro passado) condensaram e cruzaram os resultados de centenas de pesquisas realizadas no passado sobre QI e raça (leia às págs. 6-5 e 6-6 resumo feito por eles).
No livro, eles ressaltam fatos conhecidos e aceitos pela comunidade científica mundial há muito tempo mas colocados no esquecimento coletivo dos norte-americanos nos últimos 20 anos.
Esses fatos são: como um todo, os asiáticos têm QI superior aos brancos e os brancos têm QI superior aos negros.
Isso não quer dizer que todo asiático tenha quociente de inteligência superior a todo branco nem que todo negro tenha QI inferior a todo branco, mas que a média do QI de desses grupos étnicos apresenta essa hierarquização.
Depois, Murray e Herrnstein enfatizam outra hipótese que é tão velha quanto ``A Origem das Espécies", de Charles Darwin (1859): a inteligência é, pelo menos em parte, hereditária.
A partir daí, ``The Bell Curve" (alusão à forma de curva usada por estatísticos) parte para conclusões que fazem parte do discurso político da ala mais conservadora do Partido Republicano, de oposição a Clinton, desde a convenção nacional do partido em 1992.
Elas, em síntese, são: o Estado não deve gastar dinheiro público em programas sociais de incentivo a pessoas pouco inteligentes porque essa característica é genética e irreversível.
Murray e Herrsntein não chegam nem mesmo ao radicalismo de outros que trataram do tema no passado, como o prêmio Nobel de Física William Shockley, que em 1966 sugeriu a esterilização de pessoas de QI baixo.
Ao contrário, ``The Bell Curve" é cheio de cuidados para não ferir de maneira ostensiva as regras do discurso politicamente correto que impera nos meios acadêmicos norte-americanos há pelo menos cinco anos.
O livro, apesar disso tudo, desencadeou furiosa polêmica pelo país. Murray, um conservador empedernido, está sendo acusado por quase todos os liberais do país de ser racista, condição que ele rejeita com veemência.
Os porta-vozes da direita extremada, como o radialista Rush Limbaugh, usam o livro como se ele fosse a validação científica para suas teses.
Na opinião pública branca (75,2% da população dos EUA), há crescente sentimento de que as leis de igualdade de direitos para as minorias raciais (12,4% de negros, 9,3% de hispânicos, 3,2% de asiáticos, 0,8% de índios) passaram dos limites do razoável.
Pesquisa da Times Mirror mostra que esta é a opinião de 51% dos brancos. Em 1992, 42% deles concordavam com essa afirmação e em 1967, apenas 16%.
A principal reclamação dos brancos é contra a teoria das quotas raciais, incorporada em diversos regulamentos e leis.
Ela garante a representantes das minorias étnicas número de vagas proporcional à sua participação na população de uma dada comunidade em escolas, empresas, universidades e outras instituições.
Na prática, isso tem significado, por exemplo, que estudantes ou professores melhor qualificados têm sido preteridos por outros menos capazes apenas por serem brancos.

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