São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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``Quatro Por Quatro" peca por primarismo

ESTHER HAMBURGER

"Quatro Por Quatro" peca por primarismo
Novela de Carlos Lombardi se rende aos chichês e à falta de sutileza na trama de mulheres abandonadas
``Quatro Por Quatro", nova novela das sete da Globo, choca pelo primarismo. Quatro mulheres de idades e classes sociais diferentes são traídas e se aliam para se vingar de seus maridos, noivos, ou namorados.
A primeira semana, dedicada a humilhar as heroínas, revela que a intenção de satirizar o machão se faz de maneira defasada. Diante de um discurso e de situações ao mesmo tempo chavões e ultrapassadas, o diálogo entre pai e filha no comercial de margarina do intervalo da novela é avançadíssimo.
Insinuações baixas povoam o mundo de personagens que ``pegam" outros ``nus na cama com outra", ou ameaçam ``enfiar" instrumentos no parceiro em represália pela traição. ``Se invade meu quarto é porque está com fome", desafia uma mulher sensual e excitada descontente com a resistência do homem que a seguira.
A falta de sutileza impera nessa atualização pobre da trama do melodrama. Há uma solidariedade entre mulheres contra uma suposta e óbvia deslealdade masculina.
Mas as próprias situações que desencadeiam a trama são fracas. O azarado Fortunato é vítima de um engano e acaba preso, portanto impedido de comparecer a seu próprio casamento –o mecânico mulherengo cai em uma armação do sócio– e assim por diante. A histeria não consegue superar a falta de tensão dramática.
A sequência de escândalos públicos protagonizada pelas mulheres é constrangedora. O dono do restaurante francês recém-inaugurado leva tomatadas entre uma barraca e outra da feira. A psicóloga bem-sucedida invade o hospital do marido de arma em punho. A cabelereira roda a baiana para todo mundo ver em frente à oficina mecânica do ``Raí".
A evidência do paralelismo no roteiro da primeira semana torna a trama previsível. Para terminar a fase de apresentação da novela, cada uma das moças abandonadas nervosamente pega o carro após o confronto definitivo com seu par. Quando a segunda entra no automóvel, já sabemos que as duas outras farão o mesmo.
A aliança afinal ocorre em uma inverossímil cela de delegacia. A pobreza do cenário, paredes claras, limpas e super iluminadas, acentua a fragilidade dramática.
A idéia de desenvolver um roteiro de novela em torno do conflito entre homens e mulheres, satirizando o machão, não é nova. Muita coisa boa já foi feita nessa linha. Aliás, em última instância é disso que a maioria das novelas com suas intricadas redes de romances, intrigas, traições e reconciliações, tem tratado.
Mas cada novela é como que uma reinterpretação dessa fórmula mágica. O segredo está em combinar estes ingredientes de forma inusitada, atribuindo um sentido novo a um conjunto de convenções conhecidas. Em uma boa novela, a estrutura básica é sutil e pode mesmo passar despercebida. As oposições de praxe são envolvidas e alimentadas por alguma novidade que se sobressai.
Saudades de Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Sílvio de Abreu e outros em ``Guerra dos Sexos", novela que renovou temática e gênero e da qual participou Carlos Lombardi, autor de ``Quatro Por Quatro".

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