São Paulo, terça-feira, 1 de novembro de 1994
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O novo governo e o leite

SEBASTIÃO TEIXEIRA GOMES

A característica mais marcante da economia brasileira é a profunda desigualdade social. Ao lado de poucos ricos convivem muitos pobres, com graves problemas nutricionais.
Outra característica também importante do Brasil de hoje é a urbanização. O intenso fluxo migratório do campo para a cidade, realizado nas últimas décadas, transformou o país de rural em urbano. Em diversos municípios das regiões Sudeste e Sul menos de 20% da população reside no meio rural.
A combinação destas características leva à conclusão de que o maior índice de pobreza hoje do Brasil está na cidade. Esta é a principal razão de tanta preocupação com o preço de alimentos. Preços elevados têm forte efeito sobre a distribuição de renda porque, relativamente, os pobres gastam mais com alimentos.
Pelas características nutricionais, o leite é um alimento essencial para diversas faixas etárias da população. Por isto, seu abastecimento sempre foi motivo de preocupações por parte do governo. Tais preocupações explicam o tabelamento do preço do leite por quase meio século. Mais recentemente, as preocupações governamentais com o fornecimento do leite às populações mais carentes são traduzidas pelos programas sociais, que distribuem este alimento especialmente para crianças de famílias de baixa renda.
Os argumentos apresentados até então conduzem, naturalmente, à conclusão de que uma política de preços baixos do leite para o consumidor tem grande impacto social. Diante desta realidade resta examinar as consequências de tal política para o produtor de leite. A questão é como compatibilizar preços baixos ao consumidor e lucro ao produtor. Em diversas partes do mundo, a compatibilização é feita através de subsídios. No Brasil esta estratégia parece pouco provável pelas enormes limitações de recursos financeiros do Estado. Mesmo em outros países, que praticam o subsídio, existem fortes pressões locais e internacionais para a sua redução. Assim, o caminho para resolver este aparente impasse não é o subsídio. A palavra mágica que soluciona o problema é tecnologia. Com ela, é possível reduzir o preço do leite sem implicar, necessariamente, prejuízo para o produtor. Tecnologia é sinônimo de produtividade e produtividade significa custos baixos. Estudos conduzidos pela Embrapa mostram significativa redução do custo de produção com o aumento da produtividade do rebanho, conforme indicam os dados do quadro abaixo.
Evidentemente que o consumidor irá preferir comprar leite do produtor que alcança maior produtividade, porque isto significa pagar menos pela sua compra. Em razão do consumidor apropriar parte dos benefícios da tecnologia, sua preferência é pelo estrato mais produtivo. Em outras palavras, sua preferência é pelo profissional do leite, aquele que cuida de seu negócio com eficiência. Isto significa que a modernização da produção de leite traz benefícios tanto para o produtor, quanto para o consumidor.
O autêntico profissional do leite enfrenta, hoje, dois inimigos, um interno e outro externo. O interno é o safrista, que concentra sua produção de leite na época das chuvas; o externo é a importação subsidiada de derivados lácteos. O remédio para estes dois males é a fiscalização do controle de qualidade do leite e a aplicação de tarifas compensatórias.
As recentes mudanças na regulamentação do controle de qualidade foram desastrosas na prática. Agora, produtos comercializados entre Estados são fiscalizados pelo governo federal; produtos comercializados dentro do Estado, pelo governo estadual e produtos comercializados dentro do município, pelo governo municipal. Antes toda a fiscalização era de responsabilidade do governo federal. A descentralização completamente solta da fiscalização tem se mostrado ineficiente, facilitando a fraude e criando condições de desigualdade entre os produtores que investem em tecnologia de produção com qualidade e os que apenas exploram, à margem, a atividade leiteira. Por razões políticas a volta da centralização da fiscalização do controle de qualidade não será um caminho fácil. Entretanto, deve ser perseguida como importante instrumento de modernização da produção de leite do Brasil.
Quanto à aplicação de tarifas compensatórias, elas não podem ser descartadas em razão dos pesados subsídios que até hoje existem no mercado internacional do leite. Não se trata apenas de proteger o produtor nacional ineficiente, mas impedir uma competição desigual até mesmo com os produtores eficientes, com graves prejuízos tanto para o produtor, no curto prazo, quanto para o consumidor, no longo prazo.
Em decorrência das últimas eleições, o país está próximo de ter um novo governo, com grandes promessas na área social. São conhecidos os graves problemas na área da saúde, com destaque para a desnutrição. Em grande medida, o pagamento da dívida social inclui a possibilidade de mais e melhores alimentos para as populações mais carentes. Neste contexto, o leite assume papel importante pelas suas características nutricionais. Para que o leite possa participar, efetivamente, do resgate da dívida social deve-se incluir questões tais como: preço ao consumidor, lucro do produtor, modernização da atividade leiteira, fiscalização do controle de qualidade, preferência pelo profissional do leite e tarifas compensatórias.

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