São Paulo, terça-feira, 1 de novembro de 1994
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O Salão de Automóveis de hoje e do futuro

HEIGUIBERTO GUIBA DELLA BELLA NAVARRO

Quem foi ao 18º Salão Internacional do Automóvel e de Autopeças, em São Paulo, se encantará com os últimos modelos de automóveis da Ferrari, Mercedes Benz, Chrysler, lamborghini, entre outros. Os importados são de fato as grandes vedetes. Os distribuidores de veículos importados aproveitam a oportunidade para alardear a viabilidade de trazer 400 mil veículos importados em 1995 (mais de 25% da atual produção nacional!).
Diante do enorme impacto propagandístico causado pela exposição destes veículos de última geração, alguns poderiam, de modo precipitado, defender a política darwiniana para o mercado automobilístico brasileiro: eliminar a alíquota de importação e que vençam os melhores! Sem dúvida este é o caminho preferido por um pequeno mercado consumidor de elite e que também parece ser mais do agrado do governo, que recentemente reduziu, de uma só tacada, a tarifa de importação de 35% pra 20%.
Esta decisão, além de impor uma redução abrupta da tarifa, desconsidera as negociações e os acordos, realizados pelo próprio governo brasileiro, juntamente aos outros países do Mercosul.
O movimento sindical não é contra as importações e muito menos a favor de uma eterna reserva de mercado para os fabricantes aqui instalados. Mas jamais poderemos aceitar o sucateamento da indústria brasileira. A política de abertura indiscriminada e corte linear das tarifas de importação, implementada desde o início do governo Collor/Itamar fez com que as importações, somente no setor automobilístico, subissem de 6.000 veículos em 1990 para mais de 140 mil no corrente ano (um aumento superior a 20 vezes e isto antes mesmo da anunciada redução das alíquotas). Em 1993, o saldo comercial do setor (comparando-se as exportações com as importações de veículos) já foi negativo em US$ 20 milhões, após ter sido positivo pelas últimas duas décadas, e contrariando os objetivos expressos pelas entidades integrantes da câmara setorial automotiva em março de 1992.
O presidente da Associação das Empresas Importadoras de Veículos (Abeiva), tenta nos convencer que a produção e o emprego não foram afetados pelas importações, e afirma que os veículos importados contribuíram para que as empresas aumentassem seus investimentos em melhorias de produtividade e qualidade. Ora, que tolice!
Se o investimento em ampliação de capacidade e o emprego direto no setor automotivo não cresceram significativamente desde o primeiro acordo da câmara setorial em 1992, isto se deveu em grande parte ao simultâneo incremento descontrolado das importações.
De 1990 até hoje, foram cortados 75 mil postos de trabalho nas autopeças e 11 mil postos nas montadoras de veículos. Foram então 86 mil postos diretos cortados no setor automotivo, desde quando se iniciaram as importações.
No entanto, o mesmo presidente da Abeiva vangloria-se da criação de 25 mil empregos diretos nas 620 empresas concessionárias de carros importados. Pois bem. A diferença é de 61 mil postos de trabalho desativados! E sem falar nos empregos indiretos que dependem do setor automotivo (estima-se em 5,2 milhões de trabalhadores).
A equipe econômica, que diz seguir os passos do Primeiro Mundo, deveria então lembrar como fizeram os Estados Unidos, que reivindicaram dos japoneses limites voluntários das suas exportações; ou o que fizeram Espanha, Itália e França, que fixaram quotas para as importações de veículos japoneses, variando de 5% a 8% do mercado interno.
Mas parece que novamente seguiremos o exemplo da Argentina. Só que estamos nos guiando pela Argentina de 1976, que abriu seus mercados através da abrupta redução das tarifas de importação. O resultado é que os veículos importados, praticamente inexistentes em 1978, passaram a representar mais de 22% do mercado interno em 1981.
Por isso, empresas como a Citroen, a GM e a Chrysler saíram da Argentina. E também por isso a mesma Argentina resolveu implementar as quotas a partir de 1992.
Em relação às importações, nossa proposta, representada na última reunião da câmara setorial, é bastante clara: 1) proibição de importação de carros, peças e pneus usados; 2) fixação de quota para os veículos importados (evitando a destruição da indústria nacional, sem no entanto impedir a concorrência internacional e a reestruturação do parque industrial); 3) gradualismo e seletividade na redução das alíquotas de importação de veículos acabados e autopeças; 4) fixação de índice de nacionalização dos veículos no nível de 70% do preço de fábrica; 5) no caso de novas plantas e novos modelos, possibilidade de índices de nacionalização menores para a produção de veículos, por prazo determinado.
Também temos propostas que, através da negociação franca entre capital, trabalho e Estado, nas câmaras setoriais, reduziriam e efetivariam um maior controle dos preços dos carros produzidos internamente. Entre elas estão a punição rigorosa a todos os agentes (agiotas) que estejam vendendo veículos populares com valores acima do que estabelecem os protocolos negociados com o governo federal; a renegociação da carga tributária, ao lado de novas metas para o crescimento da produção e do emprego; e a negociação de incentivos à entrada de novas empresas montadoras no Brasil.
Estas são medidas que certamente permitiriam a modernização do parque automotivo brasileiro, a efetiva concorrência de preços e a preservação dos postos de trabalho no Brasil. Neste sentido, esperamos que o governo federal volte a adotar uma postura mais clara e arrojada na linha da negociação de uma nova política industrial para o setor, respeitando o fórum da câmara setorial, e que com isso, ao lado dos importados, os modelos produzidos no Brasil possam também ser objeto de encanto e admiração, nos salões do automóvel e nas ruas do mundo todo.

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