São Paulo, quinta-feira, 3 de novembro de 1994
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Máquina mortífera

Entre as diversas avaliações que se vêm fazendo acerca da questão da violência e do tráfico de drogas no Rio, um ponto que surge com insistência é o da necessidade de reformar o aparato policial, de depurar profundamente essas corporações para que voltem a cumprir suas tarefas de manter a ordem pública e proteger os cidadãos.
Ao lado do envolvimento com o próprio tráfico e da corrupção, uma outra grave distorção que macula forças policiais não só no Rio, mas no Brasil, é a extrema violência da sua atuação. A polícia mata demais.
São Paulo e Nova York, por exemplo, têm dimensões e níveis de violência semelhantes (taxa de homicídios de 32 e 30 por 100.000 habitantes, respectivamente, segundo o governo estadual). Apesar disso, a Polícia Militar paulista mata em média 10 vezes mais do que sua congênere nova-iorquina, como informa o Núcleo de Estudos sobre Violência da USP. A entidade considera a PM de São Paulo "referência básica" para as PM de todo o país.
E a situação tem-se agravado. Os policiais militares, que respondiam por 7% de todos os homicídios cometidos em São Paulo em 87, passaram a ser responsáveis por impressionantes 25% dos assassinatos do Estado em 91, segundo o grupo da USP. Naquele ano, a corporação matava um civil a cada seis horas.
Um dado alarmante que indica que a brutalidade faz parte da própria cultura da PM de São Paulo é o de que ela mata três vezes mais do que fere –o oposto do que faz a polícia em Nova York. A inversão é flagrante e sugere que os policiais atiram não para deter, como seria de esperar, mas para matar.
Essa truculência não apenas não contribui para melhorar a situação da segurança pública como traz mais um elemento à insegurança geral da população. Os diversos inocentes mortos em ações policiais no Rio este ano comprovam, como se isso ainda fosse necessário, o perigo desse tipo de atitude.
É evidente que o crime precisa ser combatido com rigor. Mas isso não justifica que se transforme a força de proteção da sociedade numa máquina mortífera, que atira para matar. Reformar a cultura da violência policial é também uma das tarefas que o país tem pela frente se pretende oferecer a seus cidadãos uma vida pelo menos um pouco menos intranquila.

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