São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
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Criaturas das trevas perturbam Hollywood

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

A controvérsia está longe de terminar, tanto para "Frankenstein" quanto para "Entrevista". O primeiro filme já está sendo tachado, principalmente nos Estados Unidos, de violento demais.
Coisas mais complicadas aguardam "Entrevista". Uma das razões pelas quais o filme demorou tanto tempo a ser feito é, justamente, o alto teor perturbador e explosivo do texto de Anne Rice –que mistura morte e desejo, tem personagens amorais e pansexuais e, tabu completo, uma menina vampira capaz de voracidade em todos os níveis.
Decidido a não se deixar intimidar, o diretor Neil Jordan retomou não apenas o texto mas o roteiro original que Rice havia escrito nos anos 70 –e, embora possa ser argumentado que o livro é muito mais extremo que o filme, "Entrevista" não deixa de ser ousadíssimo para os atuais padrões bem comportados de Hollywood.
Uma boa medida foi dada esta semana em Chicago, quando a apresentadora de TV Oprah Winfrey se retirou de uma exibição privada do filme após apenas 10 minutos de projeção. No dia seguinte, Oprah admitiu o fato diante das câmeras, logo no início de uma entrevista com Tom Cruise.
"Saí do seu filme porque não quero compactuar com a doença dele", ela disse enquanto o ator, visivelmente sem graça, engolia em seco. "Não quero compactuar com as trevas do mal".
"Meu filme é intensamente espiritual, mas não do modo como esses idiotas que controlam a religião organizada entendem espiritualidade", defende Jordan. "Meu filme é sobre sangue, vida e morte, temas presentes em todas as grandes religiões. O que dizer do sangue de Cristo que os católicos bebem, o sangue do cordeiro, toda a iconografia cristã do sangue?"
A opinião de Jordan toca num ponto interessante: este ano, por uma coincidência em que muitos lêem significados maiores, o público vê os três grandes mitos clássicos do horror: o lobisomem ("O Lobo", de Mike Nichols), a criatura arrancada da morte ("Frankenstein") e o vampiro ("Entrevista com o Vampiro").
Paralelismo na produção é uma explicação –"Frankenstein" e "Entrevista", por exemplo, foram filmados ao mesmo tempo, em estúdios adjacentes, em Londres. Mas não haveria também aí uma prova do poder desses mitos, capazes de retornar com novos significados através das gerações?
"Filmes são sonhos e há sempre um lobo nos nossos sonhos", diz Mike Nichols. "Um lobo que significa o risco, o desconhecido, o animal. O lobo, o lobisomem, despertam entimentos profundos, negados, politicamente incorretos."
"Estes mitos são primais, são poderosos", Kenneth Branagh oferece. "Êles despertam nossos medos mais básicos, mas, ao mesmo tempo, nos tranquilizam –no final os perversos são punidos e a ordem natural volta a imperar. Estamos com muito medo neste fim de milênio, nos aproximamos de algo que pode tornar realidade o sonho de Frankenstein: a manipulação do poder da criação."
"Precisamos desses mitos para nos fazer lembrar que existe uma outra dimensão", diz Neil Jordan. "Temos fome de criaturas míticas. Na época de Shakespeare, o universo mítico greco-romano e celta povoava a literatura e o teatro. Vampiros, creio, são algumas das derradeiras criaturas míticas."

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