São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Cardenal sai e expõe a crise do sandinismo

Ortodoxia da cúpula conduz ao suicídio, diz ex-ministro

NEWTON CARLOS
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O padre e poeta Ernesto Cardenal, um dos expoentes da revolução que acabou com a ditadura de quatro décadas da família Somoza e levou os sandinistas ao poder na Nicarágua, em 1979, largou a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) dizendo que ela "não é mais aquela na qual eu lutei no passado".
A deserção de Cardenal, ex-ministro da Cultura, ainda hoje suspenso de suas funções sacerdotais pelo Vaticano, é parte da briga que racha a FSLN.
Trezentos jornalistas-militantes queimaram a bandeira da frente, protestando publicamente contra demissões e a extinção de noticiários na mídia partidária, igualmente dividida e cujo controle escapava das mãos da cúpula "ortodoxa" liderada pelo ex-presidente Daniel Ortega.
A crise tem sua origem nas eleições de 1990, quando a FSLN foi surpreendida e derrotada depois de 11 anos nos quais mandou de forma quase ditatorial, como um partido-Estado supostamente representativo das aspirações populares.
Só conseguiu 41% dos votos. Nova derrota em fevereiro deste ano, em eleições na costa atlântica do país, com índice ainda mais baixo: 27%.
As pesquisas continuavam registrando quedas (25%, 20% etc.) quando foi convocado para maio um congresso extraordinário, no qual as divergências internas ficaram mais visíveis.
Ramirez e os seus pediram o fim do verticalismo, do sectarismo, dos métodos de luta violenta, moralização, abertura do partido e uma política de alianças.
A cúpula "ortodoxa", sob as ordens de Ortega, reagiu acusando os "renovadores" de "aburguesamento e social-democratização" e trocas de insultos e xingamentos invadiram a mídia da FSLN.
Gente de Ramirez, já devidamente expurgada, conseguiu até há pouco tempo atuar em publicações importantes, como o órgão oficial "Barricada", no qual Cardenal acusou Ortega de "levar a FSLN ao suicídio, à custa do sangue dos mártires da revolução".
O lance mais recente foi no Parlamento, onde Ramirez, como suplente de Ortega, chefiava a bancada sandinista e apresentou um pacote de reformas à revelia da cúpula, em manifestação aberta de rebelião.
Os chefões do partido mandaram que ele devolvesse a cadeira a Ortega, o que foi feito.
Só que 29 dos 37 parlamentares sandinistas escolheram para novo líder não Ortega, mas a comandante "renovadora" Dora Maria Tellez, em novo ato de rebeldia.

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