São Paulo, segunda-feira, 7 de novembro de 1994
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Negros vão à Justiça contra 'Pátria Minha'

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Representantes da comunidade negra em São Paulo decidiram recorrer à Justiça contra "Pátria Minha". Na semana passada, a novela da Globo levou para o horário nobre um tema que poucos brasileiros ousam discutir às claras: o racismo.
O assunto entrou em cena durante o capítulo de quarta-feira, quando um dos protagonistas da trama, o empresário Raul Pelegrini (Tarcísio Meira), acusou o jardineiro Kennedy (Alexandre Moreno) de roubo.
Era uma acusação injusta. Mesmo assim, o funcionário teve que ouvir o patrão esbravejar: "Você abriu meu cofre, negro safado."
Chorando, o jardineiro jurou inocência. "Você pensa que acredito em crioulo?", prosseguiu Raul. "Vocês, quando não sujam na entrada, sujam na saída. Foi vingança? Vingança porque não deixei você estudar? Você pensa que conseguiria aprender alguma coisa? Não sabe que o cérebro de vocês é diferente do nosso?"
Gilberto Braga e os demais autores da novela dizem que conceberam o diálogo entre Raul e Kennedy em nome do politicamente correto. Querem denunciar o preconceito racial no Brasil. Usam "palavras fortes" para "revoltar os telespectadores e mobilizá-los contra a discriminação".
O Geledés/SOS Racismo, organização de São Paulo que luta pelos direitos dos negros, pensa diferente. Considera que a cena de "Pátria Minha" aguçou, sim, o preconceito racial –menos por causa dos termos que Raul usou e mais pela maneira como Kennedy reagiu às agressões.
"O jardineiro não se portou com dignidade. Recebeu as ofensas quase que passivamente. Teve uma conduta que não reflete o comportamento do negro contemporâneo", afirma Sueli Carneiro, coordenadora do Geledés.
O grupo promete entrar hoje na Justiça com uma notificação contra a Globo e os autores da novela.
Notificação é um instrumento jurídico que funciona como alerta. O Geledés pretende utilizá-lo para manifestar oficialmente a intenção de processar a emissora e a equipe de Gilberto Braga por preconceito racial "caso os próximos capítulos da novela não resgatem a auto-estima dos negros".
O grupo avalia que o resgate só acontecerá se Kennedy "sofrer um processo de conscientização". Ou melhor, se outros personagens negros –e não os protagonistas brancos– o fizerem perceber que foi vítima de preconceito e que deve brigar por seus direitos.
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sobre "Pátria Minha" à pág. 5-3.

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