São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Nova York confronta Cy Twombly e de Kooning

DANIEL PIZA
EM NOVA YORK

É raro o cronograma da crítica coincidir com o de grandes exposições, mas Nova York teve outra sorte neste final de ano: pode confrontar as retrospectivas de Willem de Kooning, 90, e Cy Twombly, 66, para discutir o expressionismo abstrato.
A crítica internacional tem queimado os miolos para definir a real grandeza desse que foi o último movimento pictórico antes do dilúvio pós-moderno nos anos 60 (leia texto abaixo).
Mas é um grande show, com todas as fases de sua carreira, e mostra que ele e Jackson Pollock (1912-1956) são os melhores artistas do expressionismo abstrato.
Twombly, que vive numa cidadezinha costeira da Itália, Gaeta, é por sua vez um dos mais badalados pintores abstratos vivos. Sua pintura, bastante controversa (foi pulverizada no "The New York Observer" por Hilton Kramer, um dos principais críticos da cidade), é coqueluche dos ricos e chiques que compram arte nos EUA. Mesmo que eles não entendam o que diabos o curador Kirk Varnedoe escreveu no catálogo da exposição do Modern Museum of Art. Crítica e expressionismo abstrato, por sinal, são duas coisas que sempre andaram juntas. A defesa da pintura de Pollock foi capitaneada por Clement Greenberg (1909-1994); a de de Kooning, por Harold Rosenberg (1906- 1978) –os dois grandes críticos americanos do século.
Falsas dualidades
Greenberg, o mais influente dos dois, tinha restrições à pintura de de Kooning. Elogiava sua extrema sofisticação, mas depreciava a "terribilità" que ela expressava em figuras e pinceladas ferozes.
Estava enganado. O que a retrospectiva mostra é a gestação passo a passo do estilo de de Kooning –e um estilo obviamente inspirado na pintura de Picasso, na qual olhos hipnóticos e bocas arreganhadas são chave para a expressão de uma nova sexualidade.
O caricatural em de Kooning tem fundamento, não é apelação. Curioso que o papa da arte abstrata (epíteto de Greenberg) não tenha percebido isso. Em artistas como de Kooning, falsas
dualidades como figurativismo e abstracionismo caem por terra.
É bom ter isso em mente enquanto se percorre a exposição, porque intérpretes lineares vão
pensar que a obra de de Kooning vai num percurso crescente de figurativo a abstrato.
Fases
Sua primeira fase, datada de 1938 a 1944, é de retratos influenciados pelo cubismo. De 1946 a 1950, no entanto, de Kooning namora o abstracionismo informal, com uma série de paisagens em que as figuras quase desaparecem. A sintaxe é bidimensional; não há ilusão de profundidade.
Em seguida, outra reviravolta: sua arquifamosa série de "Mulheres" (1948-1955), em que a forma de uma mulher sentada parece mero pretexto para os traços velozes e as cores discrepantes. As figuras mais definidas voltam a sumir a partir de 1955 e, com uma exceção ou outra, a pintura fica assim até as últimas telas. Mas isso nada quer dizer: há um grau representativo evidente em todas elas.
Os títulos são, por exemplo, "Fevereiro", "Subúrbio em Havana", "Madrugada de Dedos Róseos". Nas tonalidades, na composição das áreas de cor, o holandês de Kooning mostra a vitalidade dos amplos espaços da América. Dá mais que pistas para essa leitura realista: um grupo de pinceladas azuis-celestes no alto do quadro, um clarão amarelo à meia altura, um marrom terroso atravessado verticalmente.
Como Cézanne, procura recriar a expressão motivada por um objeto externo na construção de campos cromáticos e ritmos significativos. A árvore não está nítida? Dane-se a nitidez, dane-se a certeza –é o que diz a pintura de de Kooning. Se isso é decadente, libidinoso, não importa. É de uma plasticidade única.
Papel de parede
O mesmo não se pode dizer da pintura de Cy Twombly. Da segunda geração de expressionistas abstratos, Twombly é também do segundo time. É um grande pintor, e sua última fase é o que mais sustenta a afirmação; mas é irregular, tem fracassos evidentes.
Ainda que Robert Hughes, da revista "Time", ache que o tema de Twombly é mesmo o fracasso, um fracasso é sempre um fracasso.
E o que é um fracasso numa pintura expressionista abstrata? É uma falha na "organização da energia emocional ou mental na tela", para usar a frase de Rosenberg. A falha converte a pintura expressionista abstrata em, segundo o mesmo autor, "papel de parede apocalíptico" –no que todos os seguidores do movimento acabaram caindo.
Irônico que a grande pintura abstrata seja a que parte de esquemas (a topografia, em Mondrian) ou a que recrie estados de espírito (o jazz, também em Mondrian).
Palimpsesto
O ponto de partida de Twombly é o palimpsesto –o texto que é escrito sobre outro texto, este mal apagado. O texto, em Twombly, são os rabiscos e garranchos que as crianças fazem quando estão aprendendo a escrever.
Aí mora o problema: não se trata de um esquema nem de um estado de espírito. Como esquema, é primário, mera imitação dos garranchos; como ritmo, é pobre, não domina a tela, não tem a presença dos enlaçamentos de Pollock ou pinceladas de de Kooning.
Significativamente, o melhor de Twombly surge a partir de 1975, quando incorpora um formato narrativo ou a representação real em sua pintura. Nas últimas telas, da série "Quatro Estações", atinge um prodígio de tradução e sensualidade plástica.

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