São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 1994 |
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Coletânea analisa desumanização nas grandes cidades modernas
ELVIS CESAR BONASSA
Os 12 artigos que compõem o livro foram escritos por especialistas de diferentes áreas: história, filosofia, arquitetura, psicanálise. Eles se organizam em torno de alguns temas recorrentes. A perda da identidade do indivíduo –substituído pela multidão–, o medo, a exclusão de classes, a doença. A desumanidade, enfim. O primeiro sinal do parentesco entre cidade e espírito surge na literatura. Com as metrópoles, no final do século 19, aparece uma lírica que absorve os temas e a forma fragmentária da própria cidade. "O sujeito poético se fragmenta, a enunciação se reveste de plena ambiguidade, o fluxo narrativo se torna descontínuo, a temática são as próprias condições de existência na metrópole", escreve o historiador Nicolau Sevcenko. A nova cidade faz surgir também ciências novas. A medicina mobiliza seu instrumental para a "higienização". O olhar médico prescreve remédios para as cidades, não para os homens: saneamento básico, ambientes ventilados, cordões sanitários. As ciências humanas colocam nas ruas os sociólogos, às voltas com o crescimento da miséria. Economistas buscam outros conceitos para a relação entre homem e trabalho, mediada por máquinas. "Os relatos de ambientes de trabalho nas fábricas e nas minas forneceram em parte o material para as conhecidas análises de Marx em 'O Capital' e se repetem infatigavelmente nos anos subsequentes", afirma Maria Stella Bresciani. Os artigos mostram que a imagem das grandes cidades inclui um importante componente: o medo, as raias do terror. As multidões constituem uma novidade talvez incontrolável –"a azáfama organizada da 'colméia urbana' pode rapidamente tranformar-se em revolta. O povo contém a canalha" (do artigo de Bresciani, sugestivamente intitulado "A Cidade das Multidões, a Cidade Aterrorizada"). Esse "medo dos canalhas" será um dos motores das reformas urbanas na virada do século. Avenidas largas e expulsão da pobreza para a periferia são o paradigma da nova ordem, surgido com a reforma de Paris em 1875. Um paradigma que chega ao Rio de Janeiro. "Muitos são os alvos a serem atacados (...) no desejo de excluir, também fisicamente, o inimigo da cena onde pretendia-se montar o cenário que travestia o Rio colonial em metrópole moderna", observa em seu artigo a historiadora Margarida de Souza Neves. Dessa "guerra" vai brotando a organização da metrópole. E também da sociedade, como observa o psicanalista Contardo Calligaris. "Os regimes, sobretudo os totalitários, sabem que alterar o espaço social concreto é alterar não a imagem projetada da organização social, mas a própria organização." Descrita como "inferno", "lugar de perdição (em todos os sentidos, do geográfico ao moral)", "fim do indivíduo", esta cidade –como é possível viver nela? A nova cidade produz afinal novos sentimentos. "Não encontrar o seu caminho em uma cidade não significa muita coisa. Mas extraviar-se, como nos extraviamos em uma floresta, pede toda uma educação", observa o filósofo Walter Benjamin, em texto reproduzido no artigo de Olgária Mattos. "Toda essa educação" subverte a própria sensibilidade. Ou, ainda Benjamin: "Ninguém, ao passar, adivinharia que justamente ali, naquilo que é defeituoso, censurável, aninham-se os dardos velozes da adoração." Lançamento: Olhares sobre a Cidade, coletânea organizada por Robert Moses Pechman, editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Onde: Livraria Brasiliense (Conjunto Nacional, av. Paulista, 2.073, loja 52, tel. 011/285-1658) Quando: hoje, a partir das 19h Quanto: R$ 20 Texto Anterior: Escritor era demônio da forma Próximo Texto: Cadeira de Roberto Stickel ganha 8º Prêmio Museu da Casa Brasileira Índice |
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