São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 1994
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Robert Cahen busca olhar da infância

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Robert Cahen, 49, é um dos mais célebres pioneiros da videoarte na França. "Estamos num momento como o dos primórdios do cinema. Fazemos experimentações com meios técnicos muito desenvolvidos, mas que não trazem nada de novo. É a imaginação dos autores que vai nos apontar o caminho para uma nova cinematografia", diz.
Cahen procura uma nova cinematografia. Seus vídeos, como "Hong Kong Song" ou "La Notte delle Bugie", já apresentados no Brasil, criam uma nova narrativa por vestígios, usando detalhes e impressões como centro da "ficção", criando um clima onírico, uma atmosfera infantil.
Sua série de "Cartões Postais", imagens fixas que ganham movimento por um rápido instante, também lidam com um universo infantil. É com o olhar da infância que o videomaker e músico pretende reencontrar o espanto e a mágica das imagens.
Cahen vem a São Paulo para o 10º Videobrasil, que começa no dia 20. É um dos destaques do festival –que conta com a presença de 27 artistas internacionais– com a instalação "Le Souffle du Temps" (O Sopro do Tempo).

Folha - Como é a instalação que você vai mostrar no Videobrasil?
Robert Cahen - Chama-se "Le Souffle du Temps". Trata evidentemente do tempo. Um tempo que alterna entre o momento em que tudo pára e o momento em que tudo recomeça.
Pensei numa coisa um pouco mágica: quando sopramos as velas do bolo de aniversário de crianças tudo o que ilumina a festa se apaga. Frequentemente, as pessoas acendem de novo o bolo. Nessa instalação, trabalho o lado mágico da extinção da luz e de sua reanimação. Não há conceito por trás, mas a idéia de que as coisas podem parar, ser cortadas de repente, e que a luz retorna.
Folha - Você trabalha com a imagem ao vivo e a imagem substituindo o real, simultaneamente, confrontando as duas.
Cahen - Há a confrontação de imagens filmadas ao vivo das velas, que formam um círculo e não se apagam nunca. É uma espécie de fogo primitivo, um círculo de luz. Por trás, há os televisores, que são como as velas de um bolo, que se acendem e se apagam.
Folha - Quando você confronta esses dois tipos de imagem, pensa apenas em criar uma atmosfera ou tem um conceito mais preciso em mente?
Cahen - Objetivamente, tento recriar impressões e emoções, como venho fazendo já em meu trabalho em fitas de vídeo. É a criação de um espaço impressionante. A idéia por trás dessa instalação, por exemplo, é refletir sobre o que quer dizer quando alguma coisa se apaga. O que quer dizer quando apagamos um televisor, já que as emissões continuam sendo feitas. A televisão prossegue mesmo quando a apagamos.
Folha - Você trabalha raramente com instalações. Por quê?
Cahen - Esta é a segunda que faço. A razão é simples. Sou muito ligado ao que aprendi com o cinema: criar um mundo onde há uma história. Não faço cinema, mas vídeo, porque a minha maneira de contar histórias não é normal ou tradicional. Não há começo, meio e fim.
Minha maneira é impressionista. É uma forma de jogar com as cores, com as camadas, para recriar a realidade e permitir ao espectador se projetar na história, contar sua própria história. É a transformação da ficção tradicional em uma ficção que cada um transporta em si mesmo.
Folha - Por que você quis criar uma nova ficção, que é apenas um vestígio de narrativa, cujo centro são os detalhes?
Cahen - Sou compositor. Fazia música concreta, objetos sonoros trabalhados em fita, com cortes, colagens etc. Quando comecei a fazer cinema, tive mais acesso ao material de vídeo. Percebi que tinha muito mais dificuldade de contar uma história de forma lógica do que me deixar levar por minhas impressões mais fortes e tentar retransmitir essas impressões de uma forma mais universal, que pudesse chegar a todos.
Folha - Por que você passou da música à imagem?
Cahen - A música é algo muito difícil. A certo momento, depois de ter composto obras e feito concertos, me dei conta de que não conhecia suficientemente a escrita musical, a harmonia, e que devia voltar ao conservatório para completar minha formação com música eletroacústica. Não tive coragem de encarar essa escola. Sempre fui atraído pela imagem.
A passagem foi simples. Mas para mim o meio de expressão não é o essencial. Se eu fizesse cinema, seria um cineasta experimental. Se fosse pintor, falaria das mesmas coisas. Trabalho há 20 anos com vídeo e acho que devo continuar aí. Você faz certas descobertas com a experiência. E, depois, não sou nenhum gênio; não posso fazer tudo ao mesmo tempo.
Folha - Você teve alguma grande influência?
Cahen - É claro que sim. Fui muito influenciado por Hitchcock a certa altura. Justamente querendo saber como funciona o suspense. Também fui muito tocado pelo cinema de Resnais e por Tarkovski, que já trabalhava com o que faço em vídeo, a imagem dentro da imagem, a utilização de reflexos, onde a imagem é múltipla, como em "O Espelho". Ele também tinha personagens e diálogos maravilhosos. Trabalho raramente com texto. Sou como um cineasta do cinema mudo. Uso a música para estruturar minha imagem.
Folha - Você parece estar muito interessado em uma idéia do tempo ligado a algo mágico, de lembrança, da infância.
Cahen - Em "La Notte delle Bugie" (A Noite das Velas), me pediram para filmar uma festa em Pisa, quando a cidade fica repleta de velas, e pensei que apenas com o olhar de uma criança ainda podemos ficar maravilhados pela chama de uma vela. Nesse sentido sou ligado à infância. Também reencontro lembranças da infância ao longo do meu trabalho.
Na série dos "Cartões Postais", era a lembrança de uma esperança: quando era criança, tinha a esperança de que um dia as fotografias ganhassem vida, que a fotografia de alguém começasse a se mexer e a pessoa tomasse o lugar da fotografia. Porque passei minha infância cercado de imagens de desaparecidos. Via as fotografias de crianças e familiares desaparecidos e não compreendia de onde elas vinham. Queria vê-las em movimento.

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