São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pois é, pra quê?

LUÍS NASSIF

É uma avaliação perigosa, por que imobilista, julgar que a política cambial atual permite a livre atuação das forças do mercado. É uma política manca, que vai criar problemas de monta, se não for rapidamente revertida.
Em um ambiente de relativa liberdade de fluxos cambiais, há dois dutos por onde corre o dinheiro externo: o comercial, através do movimento de exportações e importações, e o financeiro, através da entrada e saída de recursos através de empréstimos, investimentos, pagamentos de dividendos, royalties etc.
Quando o balanço de pagamentos de um país é superavitário (isto é, entram mais dólares do que saem), tanto através do mercado comercial quanto do financeiro ocorre uma depreciação do dólar em relação à moeda local.
Em um mercado perfeito, esse mecanismo é auto-regulador, permitindo equilíbrios entre países. A economia cresce e recebe mais dólares. O país ingressa num novo ciclo de desenvolvimento e sua moeda fica mais forte.
A valorização da moeda local melhora internamente a vida de seus habitantes. E ao mesmo tempo aumenta os preços dos seus produtos no mercado internacional, impedindo-o de sufocar os parceiros comerciais, e obrigando os exportadores a novos esforços em busca da produtividade.
Jogo geométrico
Esse jogo bonito, geométrico, que tanto encanta mentes acadêmicas, muda completamente de natureza quando entra um novo componente na história: os diferenciais entre as taxas de juros internas e externas.
Quando há ampla liberdade de fluxos cambiais (como agora), e as taxas de juros internas são maiores que as externas, o capital estrangeiro ingressa no país, independentemente da melhoria interna da economia. Entra para bicar na renda fixa.
Em geral, países em crise cambial aumentam os juros e conseguem recursos externos, à custa de um aumento nocivo do endividamento público e de uma valorização artificial de sua moeda.
O Brasil não vive crise cambial. Pelo contrário, há excesso de reservas cambiais, que pressionam tremendamente a dívida interna. Não interessa aumentar o afluxo de recursos externos.
Para ser coerente com esse objetivo, as taxas de juros internas deveriam no máximo serem do mesmo nível das taxas internacionais. Aí o fluxo de recursos e a valorização do real limitar-se-iam a acompanhar a melhora da economia como um todo.
Ocorre que as taxas de juros internas estão atreladas à política econômica interna, não à externa. São (excessivamente) altas, de um lado, para financiar os títulos públicos, de outro para acompanhar as expectativas de inflação em real e prevenir a formação de estoques.
Cria-se um jogo maluco no qual o BC define uma política cambial genial, mas completamente desatrelada de uma de suas variáveis fundamentais, que é a taxa de juros interna. É a mesma coisa que inventar um sistema de suspensão revolucionário mas que depende da falta de freios para funcionar. Não é muito louco? Se não se controlam os juros, jamais se poderia instituir essa banda podre do câmbio.
Distorções
São expressivos os efeitos dessa distorção sobre o mundo real. O grande problema da âncora cambial é que, quando o câmbio não acompanha a inflação interna, gera pressões de custo sobre os exportadores. O produto exportado fica mais caro. O exportador chia, mas paciência! Este é o preço a se pagar para se obter estabilidade.
Só que, no caso brasileiro, a engenhoca cambial produzida pelo BC faz com que, sempre que a inflação interna aumenta, aumentam os juros internos e em vez do dólar subir, cai. Sequer fica parado.
Se a inflação prevista é de 10%, os juros internos sobem para 15% e o câmbio cai outros 15%. Na ponta do dólar, o produto fica 25% mais caro, porque teve de absorver os 10% de aumentos internos e os 15% de desvalorização do dólar. E o BC não pode comprar dólares, para impedir a queda, porque precisaria emitir reais e estouraria as metas monetárias.
Nos meus tempos de interior, tinha um amigo com uma obsessão: chegar meia hora mais cedo na praça e tentar inverter a mão do footing. Às vezes parece que o jogo cambial virou uma alquimia, na qual o acadêmico contempla seu feito embevecido, como alguém que conseguiu na prática derrogar a lei da gravidade. Ou inverter a mão do footing.
"A inflação aumenta e o dólar cai. Não é uma façanha?", deve imaginar. Responderia o poeta: pois é, e pra quê?.

Texto Anterior: Preços no atacado têm alta de 0,27%
Próximo Texto: Bancos fazem acordo em fundo de investimento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.