São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 1994
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Imagem autoritária marca "Assassinos ..."

BIA ABRAMO
EDITORA DA ILUSTRADA

Imagem autoritária marca "Assassinos..."
O filme do diretor Oliver Stone que estréia hoje em São Paulo impões estética da violência com linguagem de clipe
Filme: Assassinos por Natureza
Direção: Oliver Stone
Elenco: Woody Harrelson, Juliette Lewis, Robert Downey Jr., Tommy Lee Jones
Estréia: nos cines Gazetinha, Eldorado I, Ritz e Paulista I
"Assassinos por Natureza", que estréia hoje em São Paulo, suscitou pelo menos duas discussões que merecem atenção. A primeira, mais óbvia, mas não menos importante, sobre o fascínio da violência no cinema recente.
O filme conta a trajetória de dois assassinos, Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis), fugindo de carro pela estrada 666 (referência à mitológica estrada 66 e ao número bíblico da Besta). Em seu passeio, o casal, que parece ter saído de um editorial de moda de uma revista para jovens, mata a esmo e sem misericórdia.
A segunda, mais complicada, promoveu o diretor Oliver Stone ao panteão dos grandes realizadores da história do cinema. Seu filme, que demorou quase um ano para ser montado (contra 53 dias de rodagem), utiliza diversas técnicas de filmagem, mixadas em ritmo de videoclipe.
"Assassinos..." estaria sintetizando toda a produção de imagens da indústria cultura - TV, vídeo, clipes, desenho animado, propaganda e, é claro, cinema - numa nova forma cinematográfica.
Não é bem assim. Há em "Assassinos...", aqui e ali, alumas experiências bem-sucedidas na relação entre as diferentes linguagens. Mas a ordenação desse caos de imagens obedece aos mais convencionais propósitos.
Quando a palavra "demon" (demônio) aparece projetada no tórax de Mickey (Woody Harrelson) em "Assassinos por Natureza", a máscara "experimental" de Oliver Stone cai e o filme se revela.
A vertigem de imagens é substituída por uma legenda, explícita e incontestável, e o espectador se vê constrangido. Aquele personagem, ensina o letreiro, é um demônio. É assim que ele deve ser visto; não há o que discutir.
As imagens saltam da tela e grudam na retina, sem a possibilidade de reflexão. Não há tempo para isso, seja por causa do ritmo frenéticp, seja porque o cineasta já tem tudo pronto. E, como na TV, o entendimento é oferecido de bandeja: a "natureza" dos assassinos se mostra através de recursos rasteiros (como a da legenda). Ou então, recorre-se a um psicologismo raso, como na história de Mallory, abusada sexualmente pelo pai, contada como uma "sitcom" perversa.
O principal crime cometido em "Assassinos por Natureza" é o extremo autoritarismo de suas imagens. A montagem hipnotiza; o apuro técnico fascina; a estética encanta. Tudo isso impões ao espectador uma espécie de vertigem, acrítica e sem sofrimento.

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sobre "Assassinos por Natureza" à pág. 5-3

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