São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Picaretas com arte

RICARDO SEMLER

ROTERDÃ, HOLANDA - Havia um pintor, Ernest Meissonier, que vendia seus quadros por milhões de dólares ao tempo em que o Van Gogh valia trezentos dólares. Era o artista mais bem-sucedido do século 19. Os empresários que compraram seus quadros dançaram. Há poucos anos, um magnata imobiliário do Japão comprou uma das margaridas do Van Gogh por 19 milhões de dólares, hoje avaliada por metade disso. Dançou.
São infindáveis as histórias de falta de bom senso de empresários em relação às artes. E é por isso que salta aos olhos que a comunidade artística no Brasil ainda esteja nas mãos de homens de negócio. Vide a luta pelo poder no Masp, onde um dos poucos empresários que entendem do ramo, o dr. Mindlin, ficou de fora.
Talvez seja acerto do destino, uma vez que o Masp é resultado de uma das maiores picaretagens de nossa história, cortesia do Chatô.
Na Bienal têm se revezado pessoas com profunda falta de conhecimento do ramo, salientando-se alguns financiadores do Fernandinho Collor. Os artistas brasileiros sabem que têm de vender quadros por aí com dois dedos segurando o nariz, já que boa parte deles vai para as mãos de novos-ricos que acharam dinheiro na sarjeta da safadeza que tem lavado o país. Outra parte vem dos que violentam o Brasil há décadas. Só uma parte pequena vem de gente de bem.
É por isso que hoje estamos homenageando mexicanos como Rivera, Kahlo e Tamayo, que certamente não têm valor artístico superior a um Portinari, uma Tarsila ou um Lasar Segall. Porém, valem dezenas de vezes mais, porque somos uma colônia cultural, com empresários, mecenas e marchands que não conseguem impor qualquer brasilidade, e que sofrem de complexo de inferioridade por ignorância.
Somos obrigados a bajular De Koonings secundários, já que os principais dos anos 40 e 60 estão expostos agora no Metropolitan. Vangloriamos os ianques Frank Stella, Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Jasper Johns e Jackson Pollock, quase todos tendo esnobado nossas bienais no passado, só porque somos leitores de bíblias secundárias do ramo, do tipo "Art in America".
Não sabemos identificar os novos, só os reconhecemos quando não há mais dinheiro para comprar suas obras representativas. Por isso faltam a esta Bienal alguns dos principais novos talentos do mundo.
O Brasil sempre teve grandes artistas, mas não tem empresários que os enxerguem. Por isso um Daniel Senise vale um terço de um Kuitka argentino, sem motivo. Por isso gente inovadora como o Leonilson morria no Emílio Ribas enquanto marchands e empresários aproveitavam para especular com suas obras, deixando sua família e seu Projeto sem um centavo furado.
Sejamos coerentes. Aceitemos que nossas artes estão em mãos aproveitadoras, desconhecedoras do assunto, e que nossas bienais, sem qualquer importância para o mundo, servem apenas como coleções didáticas e excelentes oportunidades para a população ter uma idéia do passado. Nunca serão Semanas de 22, nunca surpreenderão, nunca representarão ruptura, enquanto estiverem nas mãos de empresários.
Quando crescermos e quisermos ser salsichas como a Frigor Eder, e não apenas sobras de sopas Campbell do Warhol, nós, empresários, teremos que passar o gerenciamento de fundações e exposições aos experts do ramo, e aparecermos apenas para o dia em que o verniz deveria ser passado em última mão, o vernissage. De resto, faremos a típica e ridícula figura de auto-promovidos compradores de Meissoniers.

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