São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Exército prevê cerco e ocupação de morros

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A ação militar no Rio prevê desde o cerco até a ocupação das favelas onde se pretende combater o narcotráfico. A informação está em um documento reservado do Comando Militar do Leste.
A Folha obteve cópia exclusiva do documento de oito páginas, intitulado "Operações Urbanas de Segurança em Favela - Idéias Para Formulação Doutrinária".
Os militares prepararam o documento em outubro passado. Foi no dia 31 daquele mês que se firmou o convênio entre os governos federal, do Rio e as Forças Armadas para combater o crime no Rio.
Como foi preparado ao longo do mês de outubro, o documento revela que o Exército se preparava para atuar no combate ao crime no Rio antes de ter sido assinado o convênio com os governos federal e do Rio.
Logo na página três do documento, o Exército mostra que vislumbrava até cenários mais extremos para o Rio: "As operações de combate ao crime organizado em favelas desenvolvem-se (...) com tropas de valor de brigada ou superior, em apoio à decretação do Estado de Sítio."
O documento começa com uma descrição geral da situação das "449 áreas de favela na cidade do Rio de Janeiro, onde vivem 887.750 habitantes".
Há um perfil dos traficantes, identificados "na faixa de 15 a 25 anos". Segundo o documento reservado do Exército, "o traficante morre cedo, vítima dos confrontos entre as próprias quadrilhas ou com a polícia".
Planejamento
O documento do Comando Militar do Leste é escrito na forma de um manual prático para a ação militar em favelas cariocas. O detalhamento começa no ponto 7, que fala de "orientação do planejamento e emprego".
Ao contrário do que vem divulgando para consumo externo, o Exército desde o início pensa em coordenar ações diretas nos morros onde há focos de tráfico.
Um subitem no capítulo de planejamento revela que os militares têm uma preocupação específica com o efeito político da operação:
"Nas operações de Segurança Integrada participam de forma destacada as expressões política e militar do Poder Nacional. É preciso recordar que uma vitória puramente militar pode se transformar em uma derrota política, o que requer profunda reflexão sobre a necessidade e intensidade da ação."
Outra preocupação dos militares se refere à conquista e à "manutenção do apoio da população". Para isso, o Exército recomenda: 'À apresentação individual, o comportamento do soldado e uma rígida disciplina de tiro, sem prejuízo para a ação militar, contribuem para esse fim (conquistar o apoio da população)".
A referência a uma "rígida disciplina de tiro" está diretamente relacionada às mortes ocorridas no Rio por causa de balas perdidas de tiroteio. Ainda na semana passada uma menor, grávida, morreu nessas circunstâncias.
Ação psicológica
Ao ler o documento reservado do Exército, fica claro que a ação militar em curso no Rio está na fase daquilo que os militares chamam de "ação psicológica".
Segundo o documento obtido pela Folha, a ação psicológica pode anteceder a operação, "com o objetivo de orientar a população sobre a ação que será realizada e induzir as Forças Armadas a abandonarem a área".
Outro componente utilizado na ação psicológica inclui a demonstração de força. É exatamente o que está sendo feito agora. Helicópteros fazem vôos rasantes pela cidade e soldados são vistos com frequência em veículos militares.
A partir de hoje, parte dos 16.500 soldados que darão segurança às eleições cariocas já estarão de prontidão. A partir de amanhã, a prontidão será total.
A próxima fase ainda não tem data definida. Pode ocorrer a qualquer momento. Mas o mais lógico é que seja a partir de quinta-feira, quando termina o prazo legal previsto no Código Eleitoral que restringe as prisões e detenções.
Segundo a legislação eleitoral, até 48 horas depois de fechadas as urnas só é possível a detenção em casos de flagrante delito, de criminosos já condenados e desrespeito a salvo-conduto.
Quando se iniciar a fase seguinte à ação psicológica, o Exército deve demarcar um cerco em torno do que os militares chamam de "área vermelha". Trata-se da favela ou local onde se escondem os criminosos perseguidos.
Em seguida, vêm as fases chamadas de interdição, investimento, vasculhamento, manutenção da ordem e dissuasão.
O fim da ação
A sequência das ações listadas, segundo o documento, não é necessariamente cronológica. A ação psicológica ocorre durante toda a operação.
Sobre o término da operação, os militares planejam anunciar o período que pretendem permanecer ocupando uma favela.
Há um cuidado com a imagem da instituição no tocante à permanência das Forças Armadas na favela: "(É preciso) evitar o engajamento do Exército em atividades ligadas a ação de governo, já que a população carente troca a liderança do terror pela tutela da Força Tarefa, o que pode vir a comprometer a imagem da Força."

Texto Anterior: País perde US$ 50 milhões ao dia em contrabando de armas e drogas
Próximo Texto: Leia a íntegra do documento do Comando Militar do Leste
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.