São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Rádio troca salmos por funk em Acari

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Um novo serviço comunitário foi inaugurado na favela de Acari (zona norte do Rio). Há uma semana está em funcionamento a Rádio Fábrica da Esperança. De segunda a sábado, 60 caixas de som espalhadas pela favela transmitem música e informações para a comunidade.
O projeto é da Vinde (Visão Nacional de Evangelização), uma organização não-governamental coordenada pelo pastor Caio Fábio, da igreja presbiteriana. A inauguração foi antecipada por causa de uma possível ação de tropas federais no combate ao tráfico e contrabando de armas.
"Os moradores estão muito apreensivos com o que possa acontecer. A rádio ajuda a relaxar, levando a um outro tipo de reflexão", afirma Lídia Mello, coordenadora do projeto.
A idéia inicial era aproveitar o sistema para transmitir mensagens religiosas e músicas evangélicas. As mensagens foram mantidas, mas as músicas foram substituídas por funks e raps.
"O pessoal vem aqui pedir para tocar as músicas que tocam nos bailes. A gente começou tocando os grupos evangélicos, mas cada dia toca menos", diz Abel Lima, 32, produtor e locutor da rádio.
Uma outra "adaptação"no projeto da rádio foi feita depois de um "incidente". Nos três primeiros dias de funcionamento, os moradores podiam ir à sede da rádio e pedir para que uma música fosse dedicada a alguém.
Uma moradora pediu então à recepcionista da rádio, Kátia Cilene, 22, que dedicasse a música "Princesinha 2" – uma mixagem que faz grande sucesso nos bailes funk – a um morador da favela. Logo depois a música, com a dedicatória, foi ao ar.
O problema veio rápido. O homenageado era um dos chefes do tráfico na área. Além disso, era casado.
"A mulher dele ouviu e mandou os seguranças aqui na rádio para tomarem satisfação com o locutor", diz Kátia Cilene.
A partir desse dia, os oferecimentos de música foram banidos.
A rádio também baniu de sua programação músicas que possam incitar a violência. Outros dois grandes sucessos dos bailes funks não serão ouvidos pelos moradores de Acari: as mixagens Contexto 1 e Contexto 2.
Na primeira, o refrão diz: "eu sou mau, mau mesmo". Ao fundo, são ouvidos disparos de metralhadoras. Na segunda, o refrão afirma que "Jack, o matador, tá vindo aí".
"Não é um bom momento para tocar essas músicas", diz Kátia.

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