São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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O altruísmo dos sanguessugas da Petrobrás

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Corporação é mais ciosa de sua participação nos lucros do que na capitalização da empresa
Neste moderno segmento da biologia, a genética evolucionária, "altruísmo" é um termo técnico que descreve um espectro amplo do comportamento animal. Neste contexto, "altruísmo" não designa um impulso generoso, como em nossa linguagem cotidiana, mas uma forma mais complexa de comportamento dirigido à autopreservação. Para toda essa nova escola evolucionista, as ações individuais e coletivas dos animais têm como finalidade principal a propagação dos seus respectivos patrimônios genéticos.
Assim, quando o babuino dominante enfrenta a pantera que persegue a sua prole e com isso põe em risco sua própria vida, ele apenas responde a um imperativo genético de caráter aritmético. Cada filhote é portador da metade do patrimônio genético dele próprio. Assim, três filhotes já têm 50% a mais de gens seus do que ele mesmo. Ao oferecer a sua pelas vidas de seus três filhotes ele não está sendo altruísta, mas inteligentemente egoísta.
Outra forma de altruísmo que merece uma análise imparcial é peculiar à humanidade. Quando o beato oferece comida aos pobres e faz com que eles orem, está assegurando para ele próprio uma reserva no paraíso, consciente ou inconscientemente. Seria altruísmo ou egoísmo? Não há boas intenções quando há recompensa. É desta maneira, dentro da perspectiva do altruísmo biológico, ou daquela do beato caradura, que devemos compreender as atitudes e ações em defesa da Petrobrás que surgem no seio de sua corporação interna. Senão, vejamos.
Finalmente, veio a público um resumo da "auditoria na Petrobrás", realizada por ordem da Presidência da República. A revelação mais espantosa é a de que a Petrobrás ainda usa uma estrutura de custos de 1977, quando o Brasil importava 85% do petróleo consumido. Hoje, já produz 60% do que consome. É óbvio que todas as bases de cálculo para preços saem bastante distorcidas. A quem e a que serve esta inconsistência, os auditores nem sequer se perguntam sequer. Apenas registram o seu espanto.
Os auditores se preocupam também com os adicionais salariais da corporação interna da Petrobrás. O mais extravagante é a exótica prática de distribuição mensal da participação em lucros aos empregados. Lucros são computados em empresas regulares, privadas ou estatais, ao final do período fiscal. O conselho de administração propõe a parcela a ser investida, outra a ser distribuída entre acionistas e, quando for o caso, a participação do funcionário. A assembléia de acionistas dá a palavra final.
No caso de uma estatal, o Estado representa a população, que é o acionista majoritário. Portanto, quem decide sobre a distribuição de lucros não deveria ser a diretoria, quase sempre cativa da corporação interna. Mas, no caso da Petrobrás, deveria ser o Ministério das Minas e Energia.
É notável como uma empresa que se queixa de escassez de recursos para investimentos distribua lucros automaticamente. É interessante notar que esta auditoria não faz qualquer sugestão para solucionar esta anomalia, apesar de fazer notar que resulta em um acréscimo de salário entre 33% e 8,3%, para diferentes cargos.
A auditoria também, obviamente, não se envolve com a Petrus, o fundo de pensão, o monstro intocável, que conjuntamente com os seus congêneres estão se tornando o maior poder econômico do país. Já detêm o monopólio do aço inox. Estão se preparando para adquirir a Vale do Rio Doce e ... Bom, este é um outro capítulo.
Todavia, o ponto mais misterioso sobre a Petrobrás não foi nem mesmo mencionado. Desde o ano 73, data da primeira crise do petróleo, até 86, quando os investimentos da Petrobrás começaram a declinar, a empresa investiu em prospecção, meios de produção, refino, tubulações etc. um total de US$ 41,5 bilhões, ou seja, aproximadamente US$ 3 bilhões por ano. Estes valores estão em dólares atuais.
É preciso não esquecer que esse foi um período de significativa inflação da moeda norte-americana. Nesse mesmo período, houve um aumento de produção de 140 milhões de barris por ano. Se notarmos ainda que a Petrobrás vem mantendo uma razão entre reservas medidas e produção igual a 11 anos, chegamos à conclusão que, nesse período, além do aumento da produção, foi necessário repor uma quantidade equivalente, devido ao esgotamento dos poços já em funcionamento. Podemos com estes dados calcular o custo de um barril de petróleo prospectado, extraído e fracionado em território nacional.
A Petrobrás investiu US$ 60 mil para instalar uma capacidade de produção diária de um barril de derivados. Isto significa que custos de investimentos apenas, excluída remuneração do capital, por barril de derivado, são de US$ 15,00. Tomamos aqui o tempo de vida de um poço de petróleo para a Petrobrás, de 4.000 dias, e não levamos em conta o de uma refinaria, que certamente é muito maior. O erro não é grande, pois exploração e meios de produção constituíram mais que 75% dos investimentos da Petrobrás àquela época.
Desde então, investimentos se reduziram, mas também o aumento de produção anual declinou da média de 10 milhões de barris, no período 73/86, para 2 milhões anuais, entre 87 e 93. Mas os custos de investimentos continuaram aproximadamente os mesmos. Quando a Petrobrás afirmou recentemente que precisa de apenas US$ 10.000,00 para aumentar a produção diária em um barril, deveria ser porque os investimentos em prospecção, refino e de parte significativa da árvore submarina de dutos já foram realizados.
Se adicionarmos agora os custos de investimentos, aqueles levantados pela auditoria para operação (US$ 6,53 para extração e US$ 4,10 para refino, por barril), teremos um custo mínimo para produção de um barril do petróleo fracionado de US$ 26,00.
É bom lembrar que nesses cálculos não foi incluída qualquer forma de remuneração do capital, apenas o seu retorno no tempo de vida das reservas. Se tivessem sido incluídos juros correntes internacionais, o petróleo brasileiro teria custado entre US$ 35 e US$ 40 o barril.
Se esses valores forem substituídos nas planilhas de custos elaboradas pela auditoria verificar-se-á que a Petrobrás está operando no vermelho. Se é capaz de sustentar-se é porque está se valendo dos significativos investimentos legados durante o período de 73 a 86. Hoje, já não se investe significativamente em prospecção, em refino, em transporte.
A Petrobrás está se autocanibalizando pelas duas extremidades. De um lado, deixa que se extingua seu patrimônio físico. De outro, permite que sua corporação sugue suas últimas gotas de sangue. Parece que a corporação interna é mais leal à Petrus que à Petrobrás, mais ciosa de sua participação nos lucros do que na capitalização da empresa.

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