São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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O artigo 38 e o destempero

LUÍS NASSIF
O ARTIGO 38 E O DESTEMPERO

Não é o caso, obviamente. Mas até parece que os bancos que impetraram a liminar contra o artigo 38 da medida provisória do real, encomendaram ao ministro da Fazenda, Ciro Gomes, suas declarações destemperadas contra as ações.
Como se sabe, o artigo 38 (corretamente) expurgou a inflação residual de cruzeiros dos índices de correção de julho –mês em que a moeda oficial já era o real. Os aplicadores reivindicam essa inflação residual.
Estava-se às vésperas da sentença no presidente do Tribunal Superior Federal de São Paulo, Américo Lacombe, quando Ciro surpreende a opinião pública ameaçando apontar os proponentes da ação como elementos antipatrióticos e inimigos do Plano Real.
O bloqueio de cruzados de Collor foi a última manobra oficial de utilizar o santo nome da estabilidade para justificar descumprimentos de contratos. De lá para cá, quer-se ganhar uma ação contra o governo? Basta uma autoridade tentar constranger o juiz levantando questões de segurança nacional.
Questão de justiça
Se o setor financeiro tem razão em suas ações, que receba o justo pagamento. A questão é que o setor financeiro não tem razão. E é por aí que o ministro deveria centrar sua argumentação, ter a humildade de tentar entender o que está em jogo, para técnica e didaticamente desmontar o argumento dos proponentes da ação.
A maior parte das aplicações em BTNs com IGP-M foi de recursos externos. Esse dinheiro entrava de fora e ficava aplicado em fundos de renda fixa, corrigidos pelo dólar ou pelo IGP-M.
Suponha que no dia 30 de junho um investidor tivesse US$ 100.000,00 em um fundo dolarizado e o equivalente a R$ 100.000,00 em um fundo em IGP-M. No dia 1º de julho, seu saldo no fundo dolarizado continuaria em US$ 100.000,00. Se a lógica dos bancos fosse correta, e se incorporasse o tal resíduo inflacionário, o saldo no fundo em IGP-M saltaria para R$ 140.000,00. Como o dólar caiu para R$ 0,83, seu saldo em dólares iria para US$ 168.674,70, sem contar os juros da operação –ou seja, um aumento instantâneo de 68,7% em cima de uma decisão judicial e de uma mudança de política cambial.
Trata-se de um absurdo financeiro axiomático. Basta bom senso, e não pretender pressionar o judiciário com palavrório vazio, para a Justiça dar-se conta que não há argumentação técnica capaz de justificar tamanha discrepância.

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