São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Brasil mata o mogno e vende o pau

VICTOR AGOSTINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo brasileiro tem até a próxima sexta-feira para conseguir fechar e aprovar uma proposta que lhe garanta exportar sem restrições o mogno.
O prazo vai até o encerramento da Conferência da Cites (Convenção Sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas), que começou no dia 7 em Fort Lauderdale (Flórida, EUA). Uma proposta feita pela Holanda quer restringir a exportação da madeira pelo Brasil –o maior exportador de mogno do mundo.
O argumento principal dos holandeses é que o atual modelo de exploração do mogno (Swietenia macrophylla), uma madeira avermelhada, resistente e muito utilizada na elaboração de móveis, vai levar a espécie, certamente, à extinção.
O governo brasileiro é contrário à idéia da restrição e argumenta que a iniciativa holandesa é prematura.
O fórum deste debate, a Cites, é uma convenção criada em 1973 nos Estados Unidos. É o único tratado internacional que tem o objetivo de discutir e regular o comércio de espécies que correm risco de extinção.
São signatários da convenção 123 países, que após os debates se comprometem a colocar em prática o que foi acordado e até a criar legislações internas para respeitar as deliberações acertadas pelos delegados.
Na Cites existem três tipos de restrições enquadrando fauna e flora. Elas são chamadas de apêndices. No Apêndice 1 estão relacionadas as espécies ameaçadas de extinção por causa do comércio internacional.
Neste caso, a Cites proíbe qualquer tipo de comercialização dessas espécies. A exceção fica apenas para o intercâmbio não-comercial entre países. Ainda assim, controlado pelos governos.
Cerca de 700 espécies estão incluídas no Apêndice 1. A conferência da Flórida discute também a inclusão de crocodilos e de uma orquídea indiana, a Cypripedium, no Apêndice 1.
No Apêndice 2 da Cites são relacionadas as espécies que ainda não estão ameaçadas de extinção, mas que poderão atingir essa condição caso não haja controle do comércio.
É no Apêndice 2 que o mogno pode ser relacionado. Ou seja, a comercialização do mogno passaria, caso aprovada a proposta holandesa, a ser controlada –não seria ainda proibida.
Finalmente, o Apêndice 3 lista as espécies que já estão protegidas pela legislação nacional de um país. Assim, a regulamentação local do comércio destes animais ou plantas acaba ganhando status internacional quando referendada pela Cites.
A Cites controla também o comércio de peles, couro, barbatana, dentes (marfim) e carne de animais selvagens. Para exportar esses produtos legalmente, o país precisa se adequar às suas normas.
Os países que participam podem pedir maior ou menor proteção para determinadas espécies. Um exemplo: proposta africana pede que o elefante (Loxodonta africana) saia do Apêndice 1 e vá para o Apêndice 2 -haveria, portanto, um afrouxamento na comercialização desta espécie. O noruegueses pedem o mesmo para a baleia-minke.
Soberania
O chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente, Osvaldo Dela Giustina, afirma que a posição do governo brasileiro é contrária à inclusão do mogno no Apêndice 2. "É uma questão de soberania nacional. Não podemos criar um problema econômico dessa grandeza restringindo o comércio", diz.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil exportou no ano passado 174 mil metros cúbicos de mogno (algo como 2.500 caminhões). Cerca de 80% dessa madeira é enviada para os Estados Unidos e à Inglaterra. O metro cúbico vale hoje no mercado internacional até US$ 850. Numa multiplicação rápida, os números oficiais apontaram movimento de US$ 147,9 milhões em 1993.
Outro aspecto que leva o governo brasileiro a repudiar a proposta holandesa, ainda segundo Dela Giustina, "é o fato de a política de controle da flora brasileira ser adequada, e da fiscalização florestal ser eficiente".
Luiz Roberto Bezerra, engenheiro florestal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), pinta um quadro diferente no que se refere à eficácia da política brasileira de preservação.
" Não temos fiscalização adequada. O mogno está seguindo o mesmo caminho do jacarandá-da-baía e do pau-brasil, que desapareceram", afirma Bezerra. Procurada pela Folha, a presidente do Ibama, Nilde Lago Pinheiro, pediu que sua assessoria informasse que ela "não quer se pronunciar sobre este assunto".
A ONG (organização não-governamental) Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), sediada em Belém e dedicada à produção de pesquisas ambientais, acredita que o mogno brasileiro caminha, de fato, para a extinção.
Não sei dizer quando o mogno estará extinto, se daqui a cem anos ou dez anos, mas que caminha para a extinção, caminha.
Um estudo produzido mês passado pela pesquisadora norte-americana Laura Snook, da Universidade Yale, para o WWF (Fundo Mundial para a Natureza), confirma que a extinção do mogno é iminente, se não for feita regulamentação rigorosa.
Um dos pontos que sustenta a tese da pesquisadora é a dificuldade de regeneração do mogno. Segundo ela, a árvore se regenera principalmente a partir de distúrbios catastróficos periódicos.
Em outras palavras, os tufões e furacões que toda árvore detesta, o mogno adora. É que ele só brota naturalmente depois da passagem de pequenos furacões, que arrancam árvores e formam clareiras.
Após esses eventos catastróficos, as árvores adultas sobreviventes espalham suas sementes através do vento ou da água pelas clareiras. As mudas se estabelecem nessas áreas abertas em grupos de idade uniforme, escreve Snook.
A pesquisa de Snook mostra ainda que em uma área de extração comercial de mogno os madeireiros retiram 95% dos indivíduos da espécie, dizimando-a, já que "não existem mognos novos para tomar o lugar das árvores derrubadas".
Atualmente, de acordo com levantamento do WWF, o mogno é retirado de reservas indígenas e parques nacionais no sul do Pará, Mato Grosso, Rondônia e sudoeste do Amazonas, numa faixa de 1,5 milhão de km2 entre os paralelos 4 e 12 do hemisfério Sul.
Outro estudo, este desenvolvido pela ONG Greenpeace, indica que a derrubada de uma árvore de mogno no meio da floresta implica destruição de outras 27 árvores que ficam ao redor.
José Augusto de Pádua, coordenador da área de florestas da Greenpeace, conta que os madeireiros devastam 1.400 m2 de área para cada árvore de mogno que retiram. "As serrarias já abriram 3.000 km de estradas no sul do Pará", afirma Pádua.
Segundo o Imazon, após a retirada da madeira as estradas abertas são utilizadas para a introdução da pecuária e transformação da floresta destruída em pasto.
A Greenpeace e outras 80 entidades enviaram em abril deste ano uma carta ao ministro do Meio Ambiente, Henrique Cavalcanti, solicitando que o mogno seja incluído no Apêndice 2 da Cites. "Até hoje não obtivemos resposta", lamenta Pádua.
No dia 1º deste mês, durante sua campanha pelo rio Amazonas, a Greenpeace invadiu navios que transportavam madeira no porto de Belém. Não havia mogno nos carregamentos e toda madeira tinha autorização para ser exportada.
" Temos que conseguir aliados e encontrar uma solução que nos satisfaça. Mas, ao mesmo tempo, não podemos confrontar outras posições. Temos que evitar as retaliações", diz o chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente.

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