São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 1994
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Ex-baixista se vinga com um golpe genial

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Atenção produtores brasileiros: estreou na semana passada no Irving Plaza, em Nova York, o show de música mais fantástico da década: Diamanda Galás e John Paul Jones, ex-baixista do Led Zeppelin. O show é pequeno, três pessoas no palco, e acontece num período estranho em que os ex-companheiros de Jones, Jimmy Page e Robert Plant, acabam de estourar com seu novo show "unplugged", para o qual Jones não havia sido convidado.
No entanto, o contragolpe de Jones foi muito mais genial. Sua ira o fez voltar na imaginação aos anos 60, para o Marquee, em Londres, onde grupos pouco conhecidos ou desconhecidos desfilavam seus talentos para jovens empilhados na pequena sala da Wardour Street, esfomeados por rock. Como o Zeppelin já começou grande, tocando sempre em estádios, John Paul Jones devia ter somente uma remota idéia do que significava tocar a uma distância de uma cusparada do público.
Eu havia visto o Led Zeppelin no Madison Square Garden, em 1972, e no Earl's Court, em 1974, sempre a 400 metros do palco, e sempre procurava olhar Jones escondido atrás do exibicionismo de Plant e Page. Vê-lo a dois metros de distância, num palco onde só cabem três, plugando seu instrumento no amplificador, foi inacreditável. Foi como aquela cena do filme "Blow Up", de Antonioni, onde vemos os Yardbirds, Jeff Beck e Jimmy Page, tocando e espancando suas guitarras num lugar igualmente pequeno, para uma platéia igual a que estava ontem no Irving Plaza.

História estrangulada
É de se parar pra pensar na grande indústria impessoal que o rock virou e como, com um contragolpe de gênio, a história pode ser estrangulada, enganada e revertida. Agora, estávamos numa noite fria de novembro em Nova York, mas podíamos estar nos anos 70 em Londres.
Não havia um único símbolo ali que acusasse o tempo, exceto a figura de Diamanda Galás. Jones evita a enorme parafernália que virou sinônimo de show de rock e toca o seu baixo como um garoto que em sonha ser, algum dia, astro do rock.
Só que seu baixo já marcou a história, como poucos marcaram. De fato, se pensarmos no "som" do Zeppelin, ele era a combinação de Jones com John Bonham, o hiperbólico baterista cuja morte dissolveu o grupo. Nenhum dos outros baixistas da geração de Jones, como Entwistle, Wyman, Jack Bruce, Mitchel, criaram um som tão peculiar e tão reconhecível. Agora, Jones está tocando no Irving Plaza, um lugar relativamente pequeno com a platéia de góticos em pé, parecido com a intimidade do Marquee de Londres na década de 60.
Diamanda Galás é uma mistura de Medéia com Janis Joplin. É a mais maravilhosa performer que Nova York produziu nessa última década. No início dos anos 80, ficou notória por usar uma bateria de 12 microfones e soltar seus longos gemidos gregos através de uma pilha de harmonizadores sintéticos. Hoje, adaptou esses sons aos blues mais simples. O resultado, com Jones no baixo, é algo semelhante a um gospel herético, elétrico e básico.

Deusa oferecida
Jones, que está parecido com uma figura saída de um conto de Peter Pan, mantém um doce sorriso enquanto faz seu baixo roncar debaixo da goela de Galás. A voz e o desespero dela chegam ao cúmulo de deixá-la de quatro no palco, despertando os sentimentos mais eróticos e porco-chauvinistas em pouco mais de mil seguidores contemplando sua deusa oferecida.
Sua pele branca de 40, seus cabelos e maquiagem negros e roupa de couro apertando uma figura perecida a de um travesti, fazem de Galás a típica "deusa-vítima", uma imagem que Madonna lutou muito para refinar e que Galás domina com empiricismo e com uma ironia de um rato underground, sacrificado pela vida.
É engraçado ver uma certa volta às raízes: Page e Plant envolveram vários músicos egípcios em seu novo CD e músicas com Kashmir ou The Battle of Evermore viraram verdadeiros lamentos árabes, com poucos efeitos e muito som de jam session.
Por outro lado, John Paul Jones e Diamanda Galás atacam de "Communications Breakdown", o primeiro hit do Zeppelin, de uma forma ainda mais pesada. Os dois grupos distintos emigraram em tradições um tanto quanto médio-orientais.
Quando Jones faz de seu baixo a guitarra e Galás faz de sua voz o inimaginável urro de deusa, o público do Irving Plaza chora: são duas décadas de rock, reassimiladas por um de seus mais notórios criadores.

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