São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Passeie pela arte do século 20

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se na última Bienal Internacional de São Paulo, a 21ª (em 1991), os eventos teatrais foram muito mais vistos e comentados que a exposição em si, na 22ª esse risco está ausente.
Primeiro, porque os espetáculos paralelos foram cancelados –por falta de verba e porque, acertadamente, foram considerados secundários. Segundo, e principal, porque o "must" desta edição da Bienal são as salas especiais.
É isso que a diferencia das últimas, e não o fato de ter 70 países e ser uma "ONU da arte". Diferencia inclusive quanto a orçamento: a 22ª tem o custo inédito na história da Bienal de US$ 4,5 milhões –um custo em grande parte devido às salas especiais.
E tais salas não são especiais só pelo contraste com a parafernália da geração "thirtysomething" (de 30 a 40 anos), um constraste evidente. Mas sobretudo porque trazem várias obras inéditas para o país, como as de Malévitch e Broodthaers, e trazem arte mais palatável ao gosto médio.
Além disso, por meio das 22 salas especiais estrangeiras é possível traçar uma história elíptica da arte do século 20. Quase todos os movimentos que surgiram desde as primeiras décadas têm representante nessas salas.
Nestas páginas você tem esse traçado histórico, organizado cronologicamente e por estilos. De abstracionismo à pintura contemporânea, passando por arte conceitual, arte pop e vídeo-arte, há uma razoável amostragem do percurso estético moderno.
Mesmo movimentos não presentes diretamente, como cubismo ou surrealismo, têm alguma ilustração em obras encaixadas em outros. Para ficar nos mesmos exemplos: o cubismo pode ser visto em algumas telas da retrospectiva de Diego Rivera (ver "muralismo") e o surrealismo, ponto de partida do trabalho do fotógrafo português Jorge Molder.
Necessário esclarecer também que cada movimento não é obrigatoriamente representado de maneira emblemática. Joan Mitchell, por exemplo, não é expressionista abstrata por excelência; sua pintura parte do expressionismo abstrato, embora jamais o abandone.
Enfim, as salas especiais da 22ª Bienal –mesmo porque não foram concebidas com esse intuito programático– fazem uma espécie de historiografia heterodoxa da arte do século 20, com tendência para o veio abstracionista.
É informação para bocado. A vinda de obras de Malévitch e Mondrian, dois grandes mestres do abstracionismo formal (em contraposição ao informal, de um Kandinski), já é ótima notícia para estas plagas.
Entretanto, se de Malévitch se tem uma pequena retrospectiva, de Mondrian se fez apenas uma recriação de seu ateliê, que não serve nem como introdução à sua obra –a Bienal não conseguiu trazer as telas que pretendia.
Outro destaque é Lucio Fontana, de quem vieram não só as obras que o consagraram (as telas batizadas de "conceitos espaciais"), mas também a peça de neon e a do "ambiente negro" (que parecem querer tomar o espaço, caracterizando a consequência da tal ruptura).
Também herdeiro do abstracionismo formal, mas dando-lhe carga simbólica e primitiva, foi Joaquín Torres García, cuja obra é a mais bem explicada visualmente pela Bienal.
Em montagem impecável, sua sala tem atraído os maiores elogios do evento e como que repara um dano (irreparável, na verdade) que o Brasil causou à sua obra: em um incêndio em 1978, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 80 telas importantes de Torres García foram incineradas.
O próximo medalhão é o belga Marcel Broodthaers, ignorado no Brasil. Seu trabalho de inspiração dadaísta é típico dos precursores da arte atual: materiais esquisitos combinados de formas bizarras.
Curioso que, na Bienal, o que fascina mais são as suas placas, com inscrições irônicas, e não a instalação ao lado.
Rauschenberg, ao contrário, passou por toda a chamada educação "clássica" antes de mergulhar num dos movimentos mais influentes da estética contemporânea –a arte pop. O que veio de Rauschenberg à Bienal, no entanto, não pode ser exatamente classificado de arte pop: são peças tridimensionais, com forte carga conceitual.
A arte tridimensional, por sinal, é o pivô do evento; salas especiais como as de Broodthaers e Jesús Soto estão na linha de ataque para demonstrar que tudo que foi feito antes convergiria para ela.
É como se, ainda que feita inconscientemente, a determinação de quais artistas receberiam sala especial no evento seguisse um raciocínio linear que supostamente demonstrasse que a arte, no século 20, passou pelo seguinte processo: contestação da figura e da profundidade (Malévitch, Rivera); abstracionismo (Mondrian); contestação da superfície (Fontana, Mira Schendel, Broodthaers); enfim, instalação.
Mas, decididamente, a instalação não é o ponto ômega da arte –o que, claro, não impede que essas salas especiais funcionem como resumo parcial da história estética do século.

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