São Paulo, sexta-feira, 18 de novembro de 1994
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Conheça a íntegra do pronunciamento do presidente eleito

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A seguir, a íntegra do pronunciamento do presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, feito ontem em Brasília:

"Em primeiro lugar, quero externar a minha alegria pela realização das eleições na forma tão democrática, tão positiva e pelos resultados. É inegável que o povo brasileiro, através de seu eleitorado, mais uma vez reafirmou sua vontade de prosseguir no caminho de mudanças, prosseguir no caminho de transformações que se façam dentro da lei e dentro do que o país deseja.
Eu não posso também deixar de registrar a minha satisfação pelo fato de que o PSDB teve vitórias importantes no Brasil. E de que os demais partidos também, muitos deles, obtiveram votações expressivas e elegeram governadores.
Nós temos um quadro de governadores que é um quadro que parece muito positivo. O resultado das urnas, como em qualquer democracia, será respeitado, não só em termos das sucessões legais, mas em termos políticos.
Eu tenho certeza de que o presidente Itamar Franco, com quem conversei ontem, tem a mesma sensação de satisfação com o resultado das eleições –e aí acrescento eu–, que foram presididas de uma maneira absolutamente isenta pelo presidente da República.
Como futuro presidente, eu também quero deixar bem claro ao país, reafirmar a minha disposição de trabalhar com todos os governadores, sejam do meu partido, sejam de partidos que me apoiaram, sejam de partidos que não apoiaram, que trabalharam pensando sempre naquilo que é importante para as transformações que o país deseja.
Estarei sempre disposto a discutir os problemas nacionais e, dentro das possibilidades, encaminhar em conjunto com os governadores as soluções para os problemas dos Estados.
O fato de nós termos tido uma eleição na qual os partidos que me apoiaram e uma boa parte dos governadores que eu manifestei também, dentro dos limites, o meu apoio, ter sido eleita, aumenta a minha responsabilidade.
A satisfação de ver os resultados vai 'pari passu' com o sentimento crescente em mim da enorme responsabilidade de exercer a Presidência da República no contexto de um Brasil que começou a se reorganizar no governo Itamar Franco e que fez uma opção clara por reformas.
Eu vou me empenhar na realização dessas reformas. Reforma não se faz com um ato de império. Reforma não é o resultado de um decreto. Reforma não é o resultado da aprovação pelo Congresso de uma lei, nem mesmo de uma transformação na Constituição. Reforma é um processo.
É uma coisa que permanentemente deve estar no espírito de todos nós, que assumimos responsabilidades perante o país. Vai ser no dia-a-dia, na gestão, na discussão de cada problema, temos que ter em vista um objetivo de mais longo prazo.
Eu farei, como já declarei e como reafirmo aqui, um discurso de despedida no Senado, onde direi de forma mais concreta quais são as linhas das transformações que parecem necessárias.
Eu quero também deixar claro, nesse momento em que o Brasil reafirma a sua vocação para a democracia e para mudanças a favor de uma economia mais moderna, mais aberta e de uma população mais atendida pelos poderes públicos e com fontes de renda mais compatíveis com a dignidade de uma vida decente, que os objetivos de transformação serão permanentes. A concepção dessa transformação não será feita de afogadilho.
E assim, enquanto ministro da Fazenda, com todo o apoio do presidente Itamar Franco, eu disse sempre ao país o que iria fazer, eu sempre pedi o apoio e nunca aceitei uma atitude tecnocrática, uma atitude que fosse de soberba, que fosse de imposição. Como presidente da República, eu não vejo razão para mudar o meu modo de ser.
O país não precisa ficar na expectativa de surpresas, porque as surpresas não resolvem nada. Ou nós, no dia-a-dia, construímos as transformações, convencemos da necessidade delas a população e também somos convencidos quando for o caso da necessidade de mudar de rumo, ou nós não construiremos realmente uma transformação democrática e duradoura.
Não vai ser meu estilo de governo, como não foi o do presidente Itamar Franco, o de surpreender o país com medidas que ninguém espera ou que muitas vezes especulações aqui e ali antecipam, sem nenhuma base.
No momento adequado, eu direi. Já peço desde já a compreensão dos novos governadores para as medidas que nós vamos ter que tomar. Nós vamos continuar atentos ao processo de combate à inflação.
Eu acho que o resultado das eleições manifestou de uma maneira muita clara que o país deseja a estabilidade econômico-financeira, quer ter uma moeda sólida, uma moeda que signifique para o trabalhador uma garantia de que seu esforço de trabalho não será corroído pela inflação.
Esta decisão já não é mais de um governo, é de um povo que aprovou esta conduta. Nós vamos continuar nesta direção. E os governadores que estão eleitos sabem que também o foram na mesma medida em que inspiraram ao povo a confiança de que seriam fiéis seguidores desta vontade popular.
Isso vai implicar um conjunto de medidas que serão tomadas sempre em diálogo, mas serão tomadas. No sentido de que o saneamento das finanças públicas prossiga. Serão tomadas por ser imperioso tomá-las.
Não se trata hoje de uma decisão da União, mas de uma decisão conjunta do povo brasileiro, que exige que, governadores e presidente da República, nos debrucemos todos para resolver aquilo que foi sendo postergado.
Eu tenho a convicção de que esse sentimento de austeridade não é só do governo federal, será compartilhado pelos Estados. Eu quero dizer também que, no momento adequado, comporemos um governo que será a expressão dessa vontade de transformação.
Será um governo unido por um programa e, ao mesmo tempo que estará atento à necessidade da estabilização, não vai se esquecer de que um país como o Brasil precisa de produção.
Precisa aumentar a sua produção, precisa dar condições para que os setores industriais e agrícolas possam realmente investir com tranquilidade e que tenham a certeza de que a competição, que é saudável, vai ser uma competição feita também a partir do desenvolvimento tecnológico, que permita enfrentar as dificuldades que qualquer competição impõe hoje a nível internacional.
Nós queremos as medidas adequadas para defender os nossos produtores do que se chama competição desleal. O esforço será grande. A continuidade do processo de saneamento das finanças, de manutenção do valor do real em termos compatíveis com a dignidade de um país que sabe que a inflação é um mal que não pode ser feito.
Esse esforço virá com a preocupação de que a produção nacional continue crescendo e que nós teremos efetivamente, no decorrer dos anos de governo que nos esperam, a condição para que nós possamos retomar o desenvolvimento sustentado.
Ninguém mais, hoje em dia, aceita as formas selvagens de desenvolvimento econômico. Desenvolvimento sustentado significa um desenvolvimento voltado para acabar com os bolsões de miséria e pobreza e significa também respeito às condições ambientais.
Eu peço, neste momento de alegria para tantos governadores e para os que foram eleitos no primeiro turno, que nos unamos nesta direção. Estou certo de que o governo será um governo comprometido com esses objetivos, que são objetivos aprovados pelo povo.
Será um governo sensível às realidades políticas, será um governo que estará permanentemente dialogando com as forças do Congresso Nacional, do qual eu sou membro, no qual aprendi, e muito, sobre a vida pública brasileira.
Mas o Congresso que hoje, depois de experiências traumáticas pelas quais passou, sabe também que a opinião pública tem um balizamento muito claro, que a opinião pública não aceita mais procedimentos notívagos. Não serão mais mantidos. O diálogo será muito franco e aqueles que se dispuserem a apoiar o governo participarão do governo para apoiar um programa.
Terão as responsabilidades correspondentes a essa postura, mas não se tratará mais de uma negociação pontual, através de concessões a "A", "B" ou "C", em termos do "dá cá, toma lá".
O país não aceita mais esse procedimento. Os partidos também não o aceitam. Eu devo dizer, com muita alegria para mim, que depois de eleito conversei com vários líderes partidários; os líderes dos partidos que me apóiam estão conversando com outros líderes partidários, e todo o nosso desenrolar de negociações tem sido feito em termos de consciência das necessidades do país.
Não houve e não haverá qualquer outro tipo de negociação. Negociação hoje é às claras. Temos um objetivo, temos um programa, o povo quer esse programa e nós precisamos constituir um governo capaz de levar adiante essas transformações.
Tão importante quanto essa atitude de uma permanente busca de mudança, não simplesmente de um dia "D" para que as coisas aconteçam, é a capacidade constante de gestão. O Brasil cansou de uma gestão irresponsável, de incompetência.
A competência tem que ser um critério fundamental, aliado ao critério de comprometimento político com os objetivos decididos na campanha eleitoral e aprovados hoje pela opinião pública, em sintonia plena com a população brasileira.
Quero dizer também que é com esse espírito que parto, daqui por diante, a ter conversas mais persistentes com as lideranças políticas e com os partidos no Congresso. Vamos iniciar a discussão das reformas que serão necessárias, temos grupos de trabalho discutindo algumas destas propostas e as reformas serão feitas com o espírito que eu disse aqui.
Teremos quatro anos de governo. Não vamos governar em cem dias. Muito mais do que cem dias. Nos cem dias de que todo mundo fala você pode dar sinais. Mas os sinais espetaculares só servem para desiludir em seguida a população, quando eles não são seguidos de uma atitude permanente de transformação e de reforma.
É com esse espírito que nós vamos pedir que o Congresso apóie algumas modificações, algumas na Constituição, algumas na legislação, mas, sobretudo, na experiência que hoje tenho de parlamentar, com o sentimento de que a lei não basta.
Que é preciso fazer cumprir e que a gestão, às vezes, é suficiente para suprir lacunas legais ou para contornar dificuldades que muitas vezes parecem insuperáveis e que isso mais vale na batalha do dia-a-dia, na gestão, do que pura e simplesmente anunciar grandes transformações que depois não têm condições de ocorrer.
Elas vão ocorrer. Elas já estão ocorrendo. E elas vão ocorrer porque o povo hoje é um povo maduro, um povo que sabe perfeitamente acompanhar os acontecimentos e porque os dirigentes políticos brasileiros já estão afinados com esse novo espírito. E os que não estiverem, terão perdido o bonde da história.
Quero também dizer que, no regime democrático, a oposição é necessária. E que o governo, sob a minha condução, não estará disposto à cooptação. Estará sempre disposto a discutir os problemas nacionais com quem esteja na oposição.
Isso vale para os governadores eleitos que não são da coligação que me apóia, com os quais manterei, como sempre mantive no decorrer de toda a minha vida pública, um diálogo respeitoso, pensando sempre que, quando o povo elege, quem decidiu foi o povo e o povo não pode ser penalizado se, eventualmente, o eleito não for até mesmo do agrado, o que não é o caso, do presidente da República.
As noções presidenciais não são compatíveis com ressentimentos. Não são compatíveis com mesquinharia. Nós estivemos alinhados, como estamos, pensando grande, pensando no país que tem vitalidade, que hoje tem todas as condições de dar um grande salto.
Tenho absoluta tranquilidade de que governo e oposição, juntos, faremos tudo aquilo que for necessário para o Brasil se reafirmar como um país que efetivamente não só é democrático, como é próspero e capaz de multiplicar a sua riqueza.
Quero finalmente dizer que, por volta de final de dezembro, anunciarei o ministério; anunciarei sem precipitações. Não tem nenhum fundamento a tese de que eu vou primeiro nomear tal e qual ministro, que eu esteja negociando isto ou aquilo.
Eu sou uma pessoa de dizer com muita franqueza o que penso e eu disse desde o início como faria, estou fazendo como disse que faria.
Estou pensando primeiro quais são os projetos necessários para o formato necessário para melhor atender as aspirações do país e, em seguida, vamos ver quais são as pessoas capazes de encarnar isso, tentando sempre prestar atenção à competência técnica e à posição política.
O país não se transforma só pela vontade imperial ou tecnocrática. Só se transforma com o apoio e esse apoio deriva da convicção e da sintonia das forças políticas e da vontade da sociedade.
Conversarei daqui até o governo com muita gente e podem fotografar à vontade, mas não deduzam que uma conversa com o presidente eleito significa qualquer preenchimento de cargo. Ou melhor, deduzam, se quiserem, mas podem ter certeza de que não têm o meu aval e nem ninguém fala por mim.
Eu disse isso desde sempre: ninguém fala por mim. A menos que eu tenha dito expressamente que vai falar. Não fiquem ansiosos, porque, no momento adequado, eu espero ter a condição de apresentar ao país um conjunto de pessoas que serão apenas a ponta de um iceberg.
Porque nós precisaremos de muita gente para mudar o Brasil. O Brasil é muito grande e essa mudança depende, depende muito de que a informação seja transmitida corretamente.
Finalizo, mais uma vez, felicitando os recém-eleitos governadores de Estado e dizendo que eu tenho a certeza de que juntos nós vamos realmente conseguir levar os planos adiante.
Isso só será possível porque o governo Itamar Franco tomou decisões sérias de enfrentar alguns dos mais difíceis desafios do Brasil e isso facilita a tarefa do presidente eleito. Muito obrigado."

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