São Paulo, sexta-feira, 18 de novembro de 1994
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Pela melhoria de qualidade dos médicos

JOSÉ KNOPLICH

Mulheres dando à luz em pias de hospitais públicos e doentes atendidos no chão dos hospitais permitem observar que não adianta culpar o médico por problemas estruturais e de gerenciamento no momento atual da saúde pública.
É evidente que não existe a prática da medicina preventiva e curativa sem uma equipe multidisciplinar e multiprofissional de enfermeiras, auxiliares, equipamentos, hospitais, informática e planejamento do sistema, mas o médico é o ponto-chave.
O presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, já sabe que a saúde é prioritária para 63% da população brasileira (Folha de 30/10/94). Talvez um bom começo seria analisar se temos no país médicos suficientes e de qualidade. O ideal também seria fazer a mesma análise em relação ao número de enfermeiros e demais auxiliares.
No Brasil, existem 81 faculdades de medicina, sendo que 19 delas encontram-se no Estado de São Paulo. No conjunto, formam-se cerca de 8.000 médicos em todo o país, depois de seis anos de estudo. Somente 20% dessas faculdades tem hospital-escola, com professores em condições adequadas de dar ensino prático aos futuros profissionais.
No Estado de São Paulo, onde se formam 1.800 médicos, somente 20% desse total terá chance de, fazendo concurso, realizar um aperfeiçoamento de um ou dois anos de residência médica, competindo com outros 1.700 jovens formados no resto do país.
Portanto 3.500 médicos (1.800 formados no Estado de São Paulo e 1.700 em outros Estados), 44% dos 8.000 médicos graduados no país, vêm para São Paulo exercer a sua profissão.
Pela Constituição, o médico diplomado pode exercer todo o tipo de prática médica, operar coração, tratar câncer, exercer qualquer especialidade, desde que tenha alguém disposto a aceitar seus serviços. O código de ética médica "assegura" ao jovem profissional a colocar em risco a vida dos pacientes.
Porém a atual sociedade civil exige qualidade comprovada do produto final. Em 1989, a Associação Paulista de Medicina (APM) aproveitou a idéia que já era realizada no Rio Grande do Sul e instituiu o exame de auto-avaliação voluntário, no Estado de São Paulo, através de uma prova de conhecimentos mínimos para quem acabara de receber o diploma de médico.
Neste ano de 1994, a APM realiza a quinta versão desse exame, no dia 20 de novembro próximo, com uma prova a ser realizada simultaneamente em São Paulo e em Porto Alegre, realizada pela Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRGS).
A aceitação desse exame pelas melhores faculdades de medicina da capital foi tranquila, pois as mesmas não tinham nada a temer. Os professores e alunos das demais escolas médicas se posicionaram contra porque temiam por razões óbvias que a avaliação mostrasse a qualidade do produto final.
Com a entrada em funcionamento do Mercosul, no início do ano que vem, virão para o Estado de São Paulo médicos de países vizinhos já que, com a livre circulação, será agravada a qualidade e o número de médicos.
No Brasil, não se tem certeza de quantos médicos exercem a profissão, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que deve haver um médico para cada 1.000 habitantes, como número ideal. No Estado de São Paulo, estima-se que já há cidades cuja população é de um médico para cada 500 habitantes ou até mais.
Nos Estados Unidos, quando um médico formado em determinado Estado quer exercer a profissão em outro Estado, faz um exame de auto-avaliação ("board") tanto mais difícil quanto mais próspero é o Estado.
No Canadá, as autoridades médicas diminuem o número de vagas das faculdades dependendo da proporção entre médicos e habitantes. A comunidade européia, onde os doutores podem ir de um país para outro, já tem médicos dirigindo táxis, abrindo lojas ou prestando serviços subalternos.
A APM, como uma organização não-governamental, ampliou a idéia no sentido de que deve-se ajudar a melhorar a qualidade do médico recém-formado ou em atividade, com outras metodologias de ensino não-formais: videoteca científica com aulas em casa, revistas, televisão a cabo (em breve com a TV Saúde no ar), a "APM on line" (BBS) e auto-avaliação por computador. E atualmente realiza, em convênio com a Prefeitura de São Paulo, cursos de reciclagem para médicos e residentes.
Com certeza a palavra do momento no Brasil do presidente FHC é a parceria Estado-sociedade-ONG. Com certeza, todos –sociedade civil, APM e demais entidades médicas– saberão enfrentar o problema da qualidade, quantidade e das várias parcerias com o Estado sem radicalismos face à atual situação caótica da saúde.

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