São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O PT deve outra vez remar contra a maré

ALOIZIO MERCADANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O balanço das eleições revela de forma inquestionável que o Plano Real foi um poderoso cabo eleitoral, elegendo Fernando Henrique Cardoso e muitos de seus aliados. Isto significa que a legitimidade de uma parcela significativa dos novos governantes do país se assenta no sucesso do real.
O Plano Real foi apresentado à nação como uma solução ao problema inflacionário sem custos econômicos e sociais. Todos ganham com o real, era a frase mais utilizada pelo candidato e o ministro Ricupero, quando fora da parabólica.
E, nesse sentido, a URV como instrumento de desindexação foi decisiva, criativa, inovadora e eleitoreira, quando artificialmente prolongada para assegurar o impacto do plano a apenas três meses das eleições. Inegavelmente, um plano sedutor que estimulou o oportunismo eleitoreiro em todos os partidos, até em setores do PT.
O PT não aderiu ao plano por profundas discordâncias com a concepção neoliberal que o inspira. Nós não subestimamos o valor social, político e eleitoral da estabilidade. Somos gato escaldado, já vivemos o Plano Cruzado e afirmamos durante esta campanha que defendíamos a estabilidade, sobretudo porque os que mais ganham com o fim da inflação são os que menos têm.
Estou entre os que acreditam que o PT deveria ter empunhado com mais vigor esta luta contra a inflação, discutido com mais profundidade sua importância estratégica. Isto foi tentado quando apresentamos ao partido, há dois anos, um plano de estabilização da economia que a direção partidária não valorizou nem substituiu.
Porém, não aderimos ao Plano Real por motivos muito mais profundos. Em primeiro lugar, porque eleitoralmente o oportunismo é uma atitude política duvidosa. Se o plano era tão bom, porque o eleitor não ficaria com a matriz?
Mas, fundamentalmente, não aderimos porque somos um partido! Um partido que tem compromisso com seu programa e busca de uma nova relação entre ética, economia e política. Um partido que discorda deste caminho neoliberal que vem se impondo nas principais economias latino-americanas.
Nossa primeira crítica ao Real é que era um plano eleitoreiro. E foi. As eleições acabaram, estamos com o maior custo da cesta básica de toda a história do índice; o IPC-r acumulado chega a quase 20% e o salário mínimo congelado em R$ 70,00; as tarifas públicas estão atrasadas; o crédito fácil e barato já não está disponível ao consumidor; as taxas de juros voltaram a patamares inaceitáveis e o câmbio é uma pesada sombra que se projeta sobre o futuro.
A estabilidade não é um problema resolvido e o custo econômico e social deste programa ainda está por vir.
Nossa segunda crítica era que este programa deixaria uma pesada herança para o futuro governo, uma taxa de câmbio sobrevalorizada, demandas desorganizadas por reindexação, um nó na política cambial e monetária e, inclusive, a ameaça de uma recessão econômica e desestruturação de alguns setores da indústria.
Especialmente esta última afirmação foi duramente criticada por alguns analistas apressados que não aceitavam falar em recessão no futuro, se o problema imediato era o aquecimento da demanda. "Recessão sim, bendita recessão", como afirma um economista conservador de grande renome e influência na atual equipe econômica.
Os instrumentos de política econômica estão imobilizados pelo desencontro entre a política monetária e cambial no combate à inflação. Estas taxas inflacionárias de 3% ao mês e juros de 1,2% significam taxas anuais nominais de 60% no interbancário de um dia, contra taxas internacionais de 8%.
Este brutal diferencial de juros compromete profundamente as finanças públicas e representa para todas as esferas de governo uma carga de juros brutal, de aproximadamente 6% do PIB. E, além disto, estimula a entrada de divisas via adiantamento de contratos de câmbio (ACC) e eurobônus, sobrevalorizando o real.
Se considerarmos a sobrevalorização nominal do real em 15% e ainda a inflação residual de quase 20%, verificamos que este câmbio terá um impacto dramático em 1995 sobre o nível de atividades dos setores exportadores, além de estimular de forma crescente as importações.
Teremos, portanto, um quadro de abertura econômica radical com sobrevalorização cambial. Exportaremos indústrias! Como quer um dos diretores do Banco Central.
É evidente que as privatizações são a peça central do ajuste fiscal-patrimonial, que mais do que cobrir parte desta política de juros vai estimular ainda mais a entrada de capitais estrangeiros. Como disse um banqueiro, "com esta taxa de juros e privatização, o valor das ações está lá embaixo e, com ou sem IOF, nós vamos entrar nem que seja com carrinho de mão cheio de dinheiro pelo Uruguai".
As verdadeiras âncoras deste programa são o arrocho salarial e o câmbio. A âncora cambial não acompanha a inflação interna e gera problemas de custos para os exportadores. No caso brasileiro, a situação é mais grave, o nó entre política cambial e monetária produzida pelo BC faz com que, quando a inflação interna aumenta, sobe a taxa de juros e o dólar não só não sobe, como em vez de ficar parado, cai!
A inflação pode ficar sob controle, mas o custo econômico e social não será pequeno. O Brasil, por sua dimensão, pelo nível de industrialização e pelo "apartheid social" terá um custo econômico e social muito pior que o já verificado em outras economias latino-americanas.
É verdade que os exportadores tiveram alguns benefícios fiscais, algumas medidas de duvidosa eficácia foram tomadas para tentar diminuir o afluxo de capitais externos e o BNDES criou uma válvula de escape com linhas de longo prazo a juros subsidiados.
Mas nada disso assegura a retomada dos investimentos, a reestruturação da produção e a geração de empregos. O pressuposto de que o povo pagará qualquer preço pela estabilidade, com "modernização e eficiência", incluindo o desemprego e mais pobreza, é uma aposta de alto risco.
O PT, como todo o país, vive o fim de um ciclo político. Nosso partido tem que se repensar, ouvir o recado das urnas e construir uma nova cultura política de mais diálogo com a sociedade e alianças com outras forças políticas. O PT deve ter uma atitude responsável e procurar saídas para o impasse da política econômica, que não signifiquem recessão.
Mas nosso partido não deve jamais abandonar sua coerência política, seus compromissos com os princípios e seu programa. O PT tem que manter esta teimosia de lutar pelo que acredita, mesmo tendo que mais uma vez, na história recente do país, nadar contra a maré.

Texto Anterior: Banco Boavista investe US$ 17,5 mi em 199; Lançado seguro de vida resgatável programado; Banqueiroz mantém juro de cheque especial
Próximo Texto: Rendimento indica TR do mês
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.