São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Falta de 'personalidades' no tênis é balela

MARTIN AMIS
ESPECIAL PARA A "NEW YORKER"

Tenho um problema com a palavra "personalidade" e seu plural, como por exemplo nas frases "O tênis moderno carece de personalidades" e "O tênis precisa de um novo astro que seja uma legítima personalidade".
Sinto-me pouco à vontade com o termo. Mas se, a partir de agora, eu puder colocar a palavra "personalidade" entre aspas e usá-la como sinônimo exato de "imbecil", então "personalidade" e eu vamos nos dar às mil maravilhas.
Por que será que são sempre as "personalidades" velhas que mais se queixam da suposta escassez de "personalidades" jovens? Seria porque é preciso uma "personalidade" para reconhecer outra? Não. É porque é preciso uma "personalidade" para gostar de outra "personalidade".
Ilie Nastase (tenista romeno) foi uma "personalidade" legítima –provavelmente a "personalidade" mais completa que o tênis já ostentou. Em suas memórias, "Days of Grace", Arthur Ashe (tenista norte-americano negro, campeão de Wimbledon-75), ao mesmo tempo que reconhece que Nastase era uma "personalidade inesquecível", também recorda que Ilie o chamou de "Negroni" na sua cara e, uma vez, de "preto" pelas costas.
É claro que Ilie era conhecido como "palhaço" e "showman", ou seja, como alguém constrangedoramente narcisista. No início do ano, suas incansáveis "macaquices" lhe valeram uma expulsão e suspensão do cargo de capitão da Copa Davis da Romênia (devido às "obscenidades audíveis" e aos "constantes insultos e intimidações" que proferia).
Ilie tem 47 anos. Mas as verdadeiras "personalidades" zombam da passagem do tempo, que apenas as faz tornarem-se "personalidades" ainda mais marcantes.
Jimmy Connors é outro caso de "personalidade" convicta. Imaginem o ódio total que deve ter inspirado em seus adversários quando, da quadra, comandou uma dança dos torcedores no U.S. Open. Ali vai Jimmy (que "personalidade"!), orquestrando sexo em massa com a Quadra Central do complexo de Flushing Meadows.
Para o sueco ou suíço cortês no outro lado da rede, é ótimo: ele comete uma dupla falta e Nova York enlouquece.
Jimmy era uma "personalidade" tão total e inequívoca que conseguiu se meter numa disputa judicial com o presidente de seu próprio fã-clube. Vocês se lembram de como ele costumava enfiar a raquete entre as pernas, com o cabo para fora, e mimicar o ato da masturbação, quando a decisão do juiz de linha era contra ele? Isso sim é que é uma verdadeira "personalidade".
Vinte e poucos anos atrás, topei com Connors e Nastase num evento promovido num hotel de Park Lane, algum pesadelo de relações públicas. Alguém perguntou a essas duas "personalidades" bronzeadas e elegantemente vestidas em ternos bem cortados o que vinham fazendo em Londres. "Trepando um com o outro", disse Nastase, deixando-se cair nos braços de Jimmy Connors.
Eu me lembrei desse incidente quando, no outono passado, ouvi o relato de uma turnê-relâmpago empreendida por Andre Agassi e John McEnroe. Indagado sobre como era o relacionamento dos dois, Agassi o descreveu como "completamente sexual".
Será que esse tipo de brincadeira é inevitável quando o amor-próprio se confronta com a admiração mútua? Ou será que faz parte de um ritual de aproximação entre "personalidades" da mesma categoria e faixa etária?
Certa vez, aumentando perigosamente o volume da minha televisão, ouvi McEnroe resmungar com o juiz de linha –e não era nenhum evento do Grand Slam, e sim um daqueles torneios alemães em que o primeiro prêmio é algo como um helicóptero de ouro maciço. McEnroe berrou: "Tire sua cabeça de bosta daqui!".
Ashe também revelou certa vez que McEnroe certa vez chamou um juiz de linha, senhor negro e de meia-idade, de "ei, crioulo".
Com a saída de McEnroe, cabe a Andre Agassi representar o papel de porta-estandarte das "personalidades". Agassi, o farol de trânsito em Las Vegas, o "mestre zen" (como disse sua namorada Barbra Streisand) que costumava destruir 40 raquetes por ano. É estranho, mas acho que ele não tem estômago para isso.
Ilie Nastase, Jimmy Connors, John McEnroe e Andre Agassi são "personalidades" de magnitude e vigor descendente. No fundo, McEnroe era mais inseguro do que violento, e Agassi deixa transparecer indícios significativos de generosidade –até mesmo de espírito esportivo.
Existe uma demanda de "personalidades" porque vivemos nesse tipo de época. Rod Laver, Ken Rosewall, Arthur Ashe (todos tenistas de destaque no plano internacional no final dos anos 60 e início dos 70): essas foram figuras dinâmicas e exemplares.
Foram tenistas que não precisavam de "personalidade", porque tinham caráter. É interessante, também, que nunca houve "personalidades" no tênis feminino. O que isso quer dizer? Que ser uma "personalidade" é coisa de homem? Ou melhor dizendo, uma coisa de moleque?
Queremos, sim, que nossos campeões sejam animados. O que dizer, então de Pete Sampras, tantas vezes julgado carente de "personalidade"? De acordo com os computadores, Sampras é quase duas vezes melhor do que qualquer outro tenista. Que forma assumiria sua "personalidade"? Andaria por aí exibindo-se, de punhos cerrados e virilhas em evidência?
Todos os grandes tenistas são vívidos, para quem se interessa pelo grande tênis (em lugar de algo mais banal e generalizado). Basta lembrar alguns dos melhores do esporte atualmente.
Andrei Medvedev, com seus olhos de lebre. Jim Courier, com seus olhos de serpente. O fogoso e divertido Goran Ivanisevic. O inocente Sergi Bruguera. O wagneriano (e maquiavélico) Boris Becker. O fanático Michael Chang.
Esses tenistas demonstram que é perfeitamente possível ter, ou conter, uma personalidade –sem ser imbecil.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Parma defende a liderança contra Foggia acreditando na tradição
Próximo Texto: LA Clippers é o pior time da temporada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.