São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tabucchi refaz rotas portuguesas

MANUEL DA COSTA PINTO
DA REDAÇÃO

Para o escritor Antonio Tabucchi, os enredos dos livros são criaturas que conduzem a narrativa à revelia do escritor. Em Anjo Negro –recém-lançado no Brasil pela Rocco (leia texto abaixo)–, Tabucchi revela parte dos seres que habitam sua ficção: temas como os desencontros, a busca da identidade e o Mal.
A estas obsessões, soma-se uma paixão por Portugal que fez do escritor, nascido em Pisa em 1943, o mais importante tradutor de Fernando Pessoa na Itália.
Casado com a portuguesa Maria José de Lancastre, Tabucchi fez do país o cenário de vários livros. Seu último romance, Sostiene Pereira, volta a homenagear Portugal, com uma história ambientada na Lisboa salazarista.
Foi sobre estas obsessões literárias que Tabucchi falou à Folha, por telefone e em português, de sua casa de férias em Vecchiano (na região da Toscana).

Folha - Como se deu seu interesse pela cultura portuguesa?
Antonio Tabucchi - Foi através do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa. Nos anos 60, em Paris, comprei um livrinho com as primeiras traduções de Pessoa na Europa. Apaixonei-me tanto por Tabacaria que pensei que deveria aprender português. E depois a vida fez o resto.
Folha - Fernando Pessoa pode ser considerado uma influência literária sobre sua obra?
Tabucchi - Não se trata de influência, mas de uma paixão, assim como Conrad, Kipling, Stevenson e muitos outros autores.
Folha - Como nesses escritores, o tema da viagem aparece em vários de seus livros – Noturno Indiano e Donna di Porto Pim, por exemplo.
Tabucchi - Aconteceu-me, quando jovem, fazer muitas viagens pelo mundo, por motivo de trabalho ou estudo. Muitas delas ficaram presas aos meus livros. Viajei principalmente nas rotas marítimas portuguesas: Brasil –que ainda não surgiuem meus livros, mas pode surgir– Índia portuguesa, Açores, Macau etc.
Folha - Outro tema recorrente parece ser o mundo dos sonhos.
Tabucchi - O mundo onírico é sempre importante para o artista, porque é através do sonho que se transfigura a realidade. É preciso dar importância a esse mundo, o mundo dos fantasmas.
Folha - Isso tem algo a ver com a psicanálise?
Tabucchi - Li com interesse os textos psicanalíticos, principalmente de Freud, mas nunca pratiquei psicanálise de nenhuma maneira.
Acho que Freud é um romancista e novelista muito interessante, principalmente nos casos clínicos. Ele atua e conta as suas histórias clínicas como se fosse um perfeito romancista.
Folha - O livro As Tentações traz um conto seu junto com reproduções de Bosch. O que a pintura representa no seu universo criativo?
Tabucchi - Tive uma educação visual muito importante na juventude e na infância, porque nasci na Toscana (região centro-norte da Itália) e tinha um tio que me levava aos museus de Florença desde criança, especialmente o Uffizzi. Minha ligação com a pintura, sendo toscano, é muito forte.
Folha - Sua obra Anjo Negro parece marcar a transiçao de uma literatura mosaical, de jogos linguísticos, para uma prosa mais realista.
Tabucchi - Quando escrevi Anjo Negro, tive a vontade e a necessidade de falar do Mal. De maneira que falei dele sob vários aspectos: o mal metafísico, psicológico, político, existencial –vários aspectos, digamos, da parte negativa de nossa vida. E para fazer isso tive que pôr os óculos sobre o nariz e olhar com maior atenção para a realidade.
Folha - Sostiene Pereira também tem essa preocupação?
Tabucchi - Sim, e por isso é um romance muito situado do ponto de vista histórico. Ele se passa em 1938, quando a Europa está debaixo das ditaduras –o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha–, quando ocorre a a Guerra Civil na Espanha e a Europa está para se precipitar na Segunda Guerra Mundial.
É um dos períodos mais tristes e difíceis da história européia e, para representá-lo, é preciso ter um ponto de vista histórico.
Folha - O que determina os livros não é um projeto estético?
Tabucchi - Não me considero um escritor projetial; escrevo as histórias como me vêm à cabeça. Quando se escreve um livro, sabe-se como começa, mas nunca como acaba. A história é como um criatura que toma posse do escritor e guia o livro aonde quer. Por isso é difícil fazer projetos quando se escreve. É preciso estar a serviço da história.
Folha - Quais são suas relações com o Brasil?
Tabucchi - Mais do que propriamente com o Brasil, são com a literatura brasileira. Fiz uma grande viagem pelo Brasil, há dez anos. Tive então contato com Carlos Drummond de Andrade, de quem traduzi uns 40 poemas (reunidos sob o título Sentimento del Mondo) para a editora Einaudi.
Também escrevi um prefácio à edição italiana de Miguilim, de Guimarães Rosa. Murilo Mendes foi um poeta que conheci pessoalmente e que li com muito prazer –sem falar em Machado de Assis, que releio continuamente.

Colaborou AUGUSTO MASSI

Texto Anterior: CONTOS; POESIA
Próximo Texto: AS OBRAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.