São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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França e EUA resolvem questão de autoria da descoberta do HIV

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A 11 de julho último terminou a pendência sobre a descoberta do vírus da Aids e do teste para detectar seus portadores. A batalha durou uma década e envolveu aspectos científicos, financeiros e políticos.
Encerrou-se com o documento em que o Conselho Administrativo da Fundação Franco-americana para a Aids reconhece por unanimidade que o vírus foi descoberto em 1983 pelo francês Luc Montagnier e sua equipe no Instituto Pasteur de Paris e não por Robert Gallo, do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos.
Parece que a Aids se originou na África há muito tempo, mas o vírus foi isolado em janeiro de 1983 em paciente internado em Paris. Montagnier deu-lhe o nome de vírus da linfadenopatia associada (LAV) e em maio publicou sua descoberta na revista "Science".
Em julho, agosto e setembro enviou amostras do novo vírus a Robert Gallo e em agosto mostrou em "Nature" que o LAV ataca os linfócitos (glóbulos brancos) do sangue. Em dezembro, finalmente, o Instituto Pasteur requereu patente nos Estados Unidos para o teste do LAV.
Estava lançada a pendência, cujas etapas o "Jornal da Ciência Hoje", da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), apresentou detalhadamente.
Em abril do ano seguinte, o Departamento de Saúde dos Estados Unidos anunciou a descoberta do vírus da Aids por Gallo, que em maio estampou em "Science" quatro artigos sobre sua alegada descoberta, ao mesmo tempo que requeria patente para o teste da doença. Para ele, o vírus, que chamou de HTLV-3 (sigla para vírus com preferência por célula T humana), e que seria diferente do LAV.
Ao lado da batalha principal, outras se desenvolveram sobre a natureza, o nome e a sigla do vírus e da doença. Prevalece hoje a tendência para aceitar a sigla HIV –vírus da imunodeficiência humana–, para o vírus, e Aids, para a doença (síndrome da imunodeficiência humana adquirida).
Em 1985 franceses e norte-americanos provaram a identidade do LAV e HTLV-3. Apesar disso o pedido de patente de Gallo foi aceito, recorrendo o Instituto Pasteur à Justiça norte-americana.
No ano seguinte, entretanto, a Repartição de Patentes dos Estados Unidos reconheceu a prioridade francesa na descoberta do teste da Aids. O caso ganhou aspecto político quando o presidente Reagan e o premiê francês Jacques Chirac assinaram acordo que prevê distribuição equivalente do rendimento da venda dos testes.
Um jornalista levantou a suspeita de o vírus de Gallo ter sido descoberto a partir do LAV, o que em 89 levou o Escritório de Integridade Científica (OSI), espécie de comitê norte-americano de ética científica, a investigar a suposta fraude a pedido dos Institutos Nacionais de Saúde.
O Instituto Pasteur propôs renegociação do acordo, e Gallo, na revista "Nature" (1991), reconheceu que seu vírus era o mesmo dos franceses, alegando a possibilidade de contaminação de laboratório. Nesse entretempo o OSI censurou Gallo por má conduta, mas depois voltou atrás de sua decisão.
A revisão do acordo, primeiro rejeitado pelos norte-americanos, foi finalmente realizada, e a 11 de julho deste ano o Conselho Administrativo da Fundação Franco-americana para a Aids assinou novo acordo, que encerrou a batalha. E o fez por unanimidade, da qual participou aliás Robert Gallo, um dos membros do Conselho.
O Instituto Pasteur beneficiou-se com o novo acordo, passando a receber por ano US$ 2,4 milhões, contra US$ 1,2 milhão atribuído ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos.

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