São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Diário mostra um outro O.J.

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A comoção americana do momento, o caso O.J. Simpson, seria prato cheio para os antigos estudiosos de multidões, como Gustave Le Bon, se hoje não houvesse a bula politicamente correta para patrulhá-los.
Uma prova é o livro de Faye D. Resnick, "Nicole Brown Simpson - The Private Diary of a Life Interrupted" (Dove Books, 244 págs., US$ 14,95). Recém-lançado nos EUA, logo foi para o topo da lista de mais vendidos, superando mesmo o livro do papa João Paulo 2º.
Faye era amiga –a melhor, segundo a publicidade do livro– de Nicole, uma modelo que, aos 17 anos, se casou com o ídolo do futebol americano O.J. Simpson, com quem viveu quatro anos. O.J. agora está preso, acusado de tê-la assassinado com o namorado.
A argúcia com que o livro foi armado –Faye, uma "socialite" de Beverly Hills, o escreveu em colaboração (por assim dizer) com um jornalista, Mike Walker– segue à minúcia a receita passional que a TV criou para motivar "opções". Pelo método de empilhamento emocional de acusações inconclusivas forja-se a impressão de denúncia incontestável.
Um exemplo basta. Em quase todos os relatos que Faye faz de brigas entre Nicole e O.J., o jogador diz a Faye, do alto de seus dois metros: "Por que ela faz isso comigo, Faye? Não posso aguentar. Eu vou matar aquela vaca!" –o grifo é do original. O livro foi claramente escrito para influenciar opinião pública e decisão do júri, embora este tenha sido proibido pelo juiz de ler jornais e livros e ver TV até o dia do julgamento (ainda não definido).
Que provas Faye oferece? A descrição de uma série de surras horrendas, ataques de ciúme, casos extraconjugais e humilhações cruéis –nada, porém, que comprove diretamente o homicídio.
Se 10% do relato for verdadeiro, O.J. é um brontossauro. Chutar a mulher na boca era procedimento useiro e vezeiro para ele. Além disso, é um priápico; chegava, segundo Faye, a pedir cinco por dia para Nicole. Frequentava também a vizinha quase na mesma assiduidade. Mas em público, diante das câmeras, exibia um sorriso caseiro, digamos, que lhe valeu o apelido "The Juice" (o suco) e vendia a imagem de um casamento feliz.
Pois o mesmo povo que comprava essa imagem compra agora o livro de Faye para se indignar com os relatos. A apreensão ocorre nos níveis mais rudimentares: Como é possível que esse sujeito tão charmoso e talentoso, que nos fazia rir no horário nobre, um homem bem-sucedido que não nos esnobava, tenha sido capaz de matar a mulher que dizia amar?
O livro, portanto, tem sucesso facilmente explicável, pela repercussão do caso, e se vale de centenas de historietas e detalhes para ser um vira-página: O.J. roubando as chaves da casa de Nicole alguns dias antes do assassinato, a última conversa telefônica de Nicole (com Faye) cheia de temores, os amigos dela de quem O.J. sentia ciúme (Faye assegura, claro, que Nicole foi sempre fiel).
Nos detalhes, disse Thomas Huxley, quem mora é o diabo.

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