São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Denúncia tão vazia quanto inócua

JOSÉ ROBERTO GRAICHE

A anunciada suspensão da denúncia vazia, por ser tão drástica quanto traumática, se justifica –como o governo pretende– caso estivéssemos tendo um aumento do número de ações de despejo que não se conseguisse administrar.
Em verdade, há um pequeno aumento, em relação ao ano passado, quando tudo estava parado em termos de locação. O aumento atual, entretanto, é perfeitamente administrável.
Em 1990, por exemplo, foram distribuídas mais de 24 mil ações ordinárias de despejo, no fórum paulista. Já em 1993, os totais não superaram a casa das 9.000 ações. E nos primeiros nove meses de 1994, com toda a turbulência econômica do país, não verificaram mais de 6.000 ações ordinárias de despejo. Lembro, ainda, que em 1990, não havia a "ameaça" da denúncia vazia.
Assim, constata-se que pelo número de ações não se justifica a medida proposta pelo ministro da Fazenda. Explico: a argumentação de que os aluguéis antigos estão influenciando no índice de inflação não prospera porque tal fato ocorreu apenas em julho, agosto e setembro, quando realmente eles se tornaram os vilões do custo de vida e do IPC-r.
Em outubro, ele perdeu sua importância e foi, de longe, derrotado pelos preços dos alimentos, que ficaram em primeiro lugar. Em novembro, acredito que o aluguel não influenciará nem em primeiro, nem em segundo e nem em terceiro lugar os índices do custo de vida. Sua participação será insignificante já que a maioria dos acordos já foi concluída.
Essas influências nos índices de inflação eram esperadas pelo próprio governo. Mas ele deixou para editar as normas de conversão dos aluguéis na última hora, ou seja, dentro da nova moeda e não no tempo da URV (Unidade Real de Valor).
Se os acordos não tivessem sido feitos, teríamos um número enorme de ações de despejo pela denúncia vazia, com pesado custo social. Por isso, não se justifica a medida, nem pelo aumento das ações de despejo e nem pelo aluguel que deixou de influenciar a inflação.
O que sobra é uma minoria insatisfeita de proprietários que fica pressionando seus inquilinos para aumentar o aluguel. Essa minoria não justifica qualquer medida. Se ele entende que deve suspender a denúncia vazia apenas para os contratos futuros, aí então a medida é inócua porque não inibe os contratos anteriores e não altera as negociações antigas.
A medida também pode ser desastrosa para o mercado, uma vez que impedirá o aumento de oferta de imóveis, dificultando o surgimento de incentivos para novos investimentos. A suspensão da denúncia vazia para contratos novos é o oposto de tudo quanto se pretende fazer para atingir esses objetivos.
Em resumo: o ideal seria o governo sair desse processo de interferência no mercado de imóveis. Já ficou provado que cada vez que o governo intervém, ele piora, de algum modo, a legislação e a relação entre as partes.
Seria muito mais inteligente o governo deixar locadores e locatários resolverem suas pendências. Se for implantada a nova medida, haverá redução de oferta de imóveis que praticamente sumirão do mercado. E, o que é pior, desaparecerão também investimentos e construções de imóveis destinados ao mercado de locação.
Por isso, é fundamental que o governo federal pense em algumas medidas para colocar em prática em favor do mercado, dos locadores e dos locatários.
Uma das principais sugestões é a criação de mecanismos, como os previstos no Plano Real, para incentivar a construção de imóveis residenciais que poderiam ser oferecidos ao mercado de locação com isenção de certos tributos.
Não se trata de nenhuma novidade em termos de política econômica. Outros países já se serviram dessas táticas. Nosso vizinho, Chile, é um exemplo tanto em matéria de medidas quanto de resultados. Ele conseguiu atingir metas sociais importantes, resolvendo o que, até então, era um angustiante problema habitacional.
O modelo é simples e o governo brasileiro poderia lavrar mais um tento, entre os muitos que o presidente Itamar Franco conseguiu marcar. Nada mais, nada menos que sugerir a construção de imóveis de até 80 metros quadrados, facilitando a vida do locador com isenção do Imposto de Renda, por um período que poderia chegar a cinco anos.
Paralelamente, Brasília criaria uma linha de financiamento, voltada para os inquilinos que por sua vez comprariam os seus atuais imóveis alugados.
Numa operação casada, os proprietários reinvestiriam o valor da venda em novas construções, numa operação tipo cascata, que o curto prazo resolveria um problema que já consumiu mais de 50 anos da vida e da paciência do brasileiro.

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