São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994 |
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Anthony Burgess descreve Joyce tradicional
DANIEL PIZA
Com uma vantagem. Burgess reforça a verificação de que Joyce era um escritor, em muitos sentidos, que fazia romances segundo a tradição européia –e não contra ela, como acreditaram muitos vanguardistas e pós-vanguardistas e pós-pós-vanguardistas. Mas que tradição européia? A grande tradição de romances polifônicos, que misturam vozes e gêneros, que mesclam o épico, o dramático e o cômico, praticada por Cervantes ("Dom Quixote"), Fielding ("Tom Jones"), Rabelais ("Gargântua e Pantagruel") e Sterne ("Tristram Shandy"). Burgess explica tudo ao incauto leitor. Explica que o romance europeu não é por excelência o romance oitocentista, psicológico, com seus painéis sociais e suas tramas de amor. E que Joyce queria, sim, era romper com esse romance –"dessentimentalizando a prosa ficcional". Burgess explica também que Joyce era antes de tudo um estilista, de grande engenhosidade lírica, ligado à vida por meio da fala: "O encanto reside no apetite para a anotação: a vida, que significa sobretudo fala, é fixada enquanto ainda está quente." E que foi esse apetite que o levou a, passo a passo, abandonar o texto bem-comportado, linear e solene, que se confunde até hoje com "literário". E a criar uma linguagem extremamente condensada, por vezes opaca (Burgess aponta os baixos), em que "não há folga, não há irrelevância". Joyce, para Burgess, não é responsável pela deturpação que fizeram de sua literatura, pois toda a literatura –com exceção da de Burgess (leia texto ao lado)– que se auto-intitula "pós-joyciana", na verdade, se afastou da fala e da vida. É um remoer linguístico. Livro: Homem Comum Enfim Autor: Anthony Burgess Quanto: R$ 18,80 Texto Anterior: Tempo e espaço iludem percepção Próximo Texto: Autor não se livrou da influência Índice |
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