São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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O real subindo a ladeira

MARCOS CINTRA

1) O modelo – a inflação brasileira da última década tornou-se crônica. Porém, graças à indexação, a economia não se desestruturou, e continuou mostrando taxas de crescimento razoáveis, ainda que altamente instáveis.
A indexação, contudo, introduziu uma indesejável rigidez nos preços relativos. Apesar de inercial, a inflação mostrava tendência de alta a cada vez que choques exógenos estruturais e/ou conjunturais criassem altas de preços setoriais, que rapidamente contaminavam o estante do vetor de preços na tentativa de restaurar o equilíbrio anterior nos preços relativos.
O Plano Real captou plenamente estas características da economia brasileira. A estratégia de estabilização tinha três etapas.
Em primeiro lugar, para garantir o sucesso permanente do plano, o Congresso haveria de fazer as reformas estruturais que desmontariam os mecanismos de aceleração inflacionária. Em segundo lugar, para desinercializar a inflação, escolheu-se superindexar a economia com a URV. O terceiro elemento do Plano Real era a troca da moeda.
2) Os fatos – infelizmente, o Congresso Nacional não realizou a reforma da Constituição. Não houve mudança no regime fiscal e monetário do país. Os agentes econômicos passaram a comportar-se de forma condizente com esta perspectiva. Não descartam o retorno da indexação em seus contratos, postergam investimentos, e mantêm seus recursos em aplicações curtas.
Sem as reformas, restaram apenas os instrumentos de política econômica de curto prazo para dar estabilidade ao real. O monitoramento dos preços e da demanda agregada tornou-se a tábua de salvação do plano. Porém, esta opção de política econômica implica comprometimento do crescimento e da própria estabilidade de preços a médio e longo prazos.
Há consenso no tocante aos impactos expansionistas em fases iniciais de planos de estabilização. Também há unanimidade quanto à inelasticidade da oferta a curto prazo. A utilização da capacidade instalada já se aproxima de 80%, um nível que não pode ser ultrapassado impunemente.
Adicione-se a isto as pressões exógenas advindas da evolução nos preços internacionais das commodities como alumínio, aço, química fina e papel. Portanto, não resta ao governo alternativa à redução da demanda agregada.
Mas por outro lado, esta política restringe a oferta agregada, estimulando-se assim as pressões inflacionárias de custo, sem falar no impacto contracionista que causa na economia.
Juros altos e elevação de tributos pressionam custos e desestimulam investimentos que se deseja incentivar; restrições creditícias podem não reduzir a demanda agregada, mas apenas transferir demanda para bens de salário, às vezes ainda mais inelásticos do que os bens de consumo durável cuja demanda se comprime; câmbio excessivamente valorizado contra a produção dos bens comercializáveis e estimula o consumo de importados.
A inflação aumenta perigosamente. O IPC-r de 1,86% será adicionado aos índices de correção salarial, que em outubro já ficaram entre 14,65% e 19,30%. As pressões para repassar salários a preços logo tornar-se-ão irresistíveis.
Nestas condições, até a continuidade da política econômica conjuntural começa a enfrentar sérias dificuldades.
O governo ancorou o real na política monetária, em sua vinculação a lastro de reservas internacionais e na introdução de taxa de câmbio flexível para baixo. Contudo, não resistiu às pressões para sustentar o mercado cambial e errou nas projeções de crescimento na demanda por moeda. A projeção da oferta monetária já sofre expansão de mais de 70% sobre as metas iniciais.
O real permanece valorizado pela política de juros, que atrai os capitais especulativos no exterior. Com salários indexados, a relação salário-câmbio torna-se cada vez mais desfavorável ao produtor interno de bens comercializáveis. As pressões pela desvalorização do real crescerão.
Além disso, a inexistência de ajuste nas despesas públicas torna necessário o aumento nos custos tributários das empresas. A cunha fiscal nos mercados financeiros eleva o spread bancário, tornando os juros altamente desestimulantes para os investidores.
As variáveis macroeconômicas relevantes não permitem antecipar condições de plena estabilidade da moeda.
3) A solução – frente a este quadro, resta indagar o que fazer para dar eficácia à política monetária e cambial?
Há que lancetar os focos de atraso e de corrupção existentes no país. Há que ocorrer um redesenho institucional da economia. Somente assim se ampliaria a tolerância dos vários setores econômicos em relação às perdas causadas durante a fase inicial do plano. Não se deve postergar as reformas estruturais, nem permitir que os interesses corporativistas impeçam a desmontagem dos feudos de interesses incrustados no Estado brasileiro.
Todos sabemos o que precisa ser feito. Entre outras providências, cortar gastos, melhorar a incidência dos impostos mediante uma reforma tributária profunda, acelerar as privatizações, combater os cartéis e monopólios públicos e privados, reformar a previdência e a administração pública, alterar o sistema eleitoral e partidário do país.
Estas medidas permitirão reduzir a excessiva dependência no diferencial de juros internos. A queda nos juros, por sua vez, corrigirá as distorções cambiais e permitirá o crescimento da oferta.
Não há tempo a perder. O recesso parlamentar em janeiro-fevereiro precisa ser suspenso para que se promovam, o quanto antes, as reformas constitucionais.

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