São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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Wilson Simonal retorna "a pedidos"

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O Mefisto da era do "milagre brasileiro" volta a cantar. Wilson Simonal, 54, lança em janeiro do ano que vem seu primeiro disco em seis anos, 36º de uma carreira de 32 anos.
O CD se intitula "Brasil". A capa carrega na ironia: Simonal sorridente, diante da bandeira nacional.
No início da década de 70 (a do chamado "milagre" econômico e do regime militar), Simonal foi satanizado pela intelectualidade e a classe artística. Foi chamado publicamente de delator, condenado e preso (leia texto abaixo)
Nega tudo. Tem sempre à mão o "habeas data" emitido em 28 de agosto de 1991 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, segundo o qual "não foram encontradas, na documentação deixada pelo extinto Serviço Nacional de Informações, anotações que o apontem como servidor ou como prestador de serviços àquele órgão".
Pretende que "Brasil" seja uma redenção. Nesta entrevista concedida à Folha em outubro, no prédio onde mora, no bairro de Moema, em São Paulo, ele afirma ser o único homem a não ter sido anistiado no Brasil. "Fui abatido no auge do meu estrelato", diz.
Há 22 anos Simonal não consegue gravar em uma grande gravadora nem produzir um show. Pouco antes de ser acusado de delator e sequestrador por seu contador, em 1972, o cantor levava estádios ao delírio, com sucessos como "Meu Limão, meu Limoeiro" e "País Tropical".
"Brasil" está sendo produzido pela pequena gravadora Movieplay, de São Paulo. O projeto inicial era lançá-lo este mês, mas a gravadora não encontrou vaga em nenhuma das quatro fábricas de CD brasileiras.
O CD traz 18 canções clássicas da MPB, algumas delas gravadas pela primeira vez por Simonal.
O cantor diz que está voltando "a pedidos" dos vendedores e do público, que, segundo ele, nunca soube de sua má fama.
No último mês, a Warner pôs no mercado a coletânea em CD "A Bossa de Wilson Simonal", com gravações antigas e um texto do jornalista Ronaldo Bôscoli, morto na última sexta-feira.
Ele promete fazer um grande show em São Paulo para lançar o disco.
Folha - Por que você voltou a gravar?
Wilson Simonal - Estou voltando literalmente a pedidos. O público, os vendedores e contatos internacionais queriam que eu regravasse antigos sucessos meus.
Os arranjos são meus. Minha carreira é esquisita. Sou popular, mas os músicos me consideram supersofisticado.
Folha - Como você recria as músicas?
Simonal - Altero tempos e acrescento letras. "País Tropical", de Jorge Ben, por exemplo, que está no CD. Bethânia foi a primeira a cantá-la, na boate Sucata, em 1968. Era um sambão. Quando eu a gravei, em 69, tornei-a dançante.
Mudei melodia, harmonia e acrescentei aquela parte que diz "patropi" e "esta é a razão do algo mais". Na época eu tinha um contrato com a Shell e aproveitei para fazer merchandising. Hoje o Jorge canta igual a mim. Se eu gravasse Jorge Ben hoje, eu estaria fazendo cover de mim mesmo.
Folha - Por que gravar clássicos como "Aquarela do Brasil"?
Simonal - É por impulso nacionalista. É preciso valorizar a coisa boa que o Brasil tem.
Folha - Você escolheu "Maria Ninguém" por causa da temática social?
Simonal - Não. Porque eu gosto dela e é típica. Na Holanda, ninguém sabe quem é Maria Ninguém. Escolhi pela melodia.
Folha - Você se diz perseguido. O público fugiu de você?
Simonal - Ele nunca participou disso. Prova disso é que nunca fiquei sem trabalhar. A inteligência tupiniquim me perseguiu. É gente que resolve o problema do Haiti enchendo a cara no bar. Não sou homem de frases feitas. Jamais tomaria uma atitude política de defender o pobre, querendo que ele more em Itaquera. Quero que não tenha pobre. Vamos transformar Itaquera num grande Shangri-Lá.
Nunca fui anistiado pela inteligência. Jesus Cristo, que era o pai da matéria, tinha gente que não gostava dele. Não posso exigir que todos gostem de mim.
Folha - Como se dá esse poder da inteligência, que leva você do estrelato ao porão?
Simonal - Foi uma coisa absurda. Nem sei o que aconteceu ao contador. Muitos jornalistas que falaram mal de mim foram mandados para a rua. Hoje, essas pessoas têm medo de pedir desculpa.
Folha - Você acha que a esquerda conspirou contra você?
Simonal - Eu nunca tive problema com comunistas. Mas a esquerda festiva me odeia. Eu sirvo de exemplo. Olha, nós sacaneamos o Simonal. Cuidado.
Folha - Existe uma confraria que persegue você?
Simonal - Existe. Entre os artistas não tem o menor problema. Mesmo assim, a minha anistia estética será difícil porque atrás de mim pode vir gente que pensa na arte pela arte. Quem me chama de torturador caiu no ridículo. Pegou mal.
Folha - Você é considerado um delator.
Simonal - Você só delata alguém para tirar vantagem. Onde está a delação? Está na polícia, na imprensa e entre os criminosos. O criminoso delata para negociar a soltura. A imprensa delata para vender jornal. A polícia usa a delação como subterfúgio profissional. A investigação é a ciência da delação. Por que eu teria feito isso? Estava no auge do sucesso. Tive de esperar a Constituição para obter o "habeas data".
Folha - Seus discos foram eliminados das rádios?
Simonal - Sofri uma inquisição discográfica. Foram rasgados, destruídos. Os artistas não podiam trabalhar comigo porque inventou-se que iriam se queimar.
Folha - Como se deu a campanha contra você?
Simonal - Fui vítima de uma conspiração de publicitários, cujos nomes não quero revelar. Eles sabem fazer o negócio. Em 1972, eu tinha a minha própria agência e um contrato milionário com a Shell. Provoquei inveja na concorrência. A razão da perseguição teve fundo econômico.

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