São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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A invasão que falta

O governador eleito do Rio de Janeiro infelizmente trouxe de volta à cena uma proposta que já se imaginava afastada: a da adoção do estado de defesa. Assim como no início das operações contra a violência e o tráfico, continuam a não existir motivos que sugiram a necessidade dessa medida extrema.
É certo que o estado de defesa está previsto na própria Constituição, mas qualquer providência que suprima direitos e garantias individuais exige suprema cautela. No caso, é difícil acreditar que as ações das Forças Armadas no Rio possam ser mais eficientes se os cidadãos tiverem suspensos a inviolabilidade telefônica ou o direito de reunião. Ao mesmo tempo, é inquietantemente fácil imaginar abusos e arbitrariedades ainda maiores.
Ademais, o próprio Exército admite que as ações diretas nos morros têm efeito limitado e só correspondem a cerca de 20% das ações necessárias. O restante inclui, por exemplo, a fiscalização das vias de acesso. É mesmo notório que a maioria das armas e drogas vêm de fora do Estado ou do país, tornando indispensável apertar o cerco à entrada ilegal desses produtos.
O futuro governador fluminense foi mais feliz quando destacou que os autores de abusos nas operações do Exército devem ser punidos, embora tenha tentado minimizar os problemas já verificados afirmando que "toda hora tem desrespeito aos direitos humanos". Ora isso é razão para redobrado empenho no sentido de passar a respeitá-los, nunca para tolerar mais e mais violações.
Um sinal animador é que Alencar corretamente identificou a utilidade da operação militar como a de abrir caminho para que o poder público ocupe espaço nas favelas. Essa é a providência de médio e longo prazos essencial para finalmente integrar tais comunidades à sociedade.
Falta agora que o Estado aproveite a brecha e leve adiante essa tarefa, invadindo os morros com saneamento, escolas, postos de saúde, segurança, cidadania. Sem estas, todas as outras invasões são meros paliativos. E, como mostra o rápido retorno do pequeno tráfico após cada retirada do Exército, paliativos fadados a fracassar.

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