São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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A igreja da tempestade

JOSÉ SARNEY

Há cerca de 30 anos conheci em Tutóia, no Maranhão, um pároco que se chamava Hélio Maranhão. Jovem, muito inteligente e angustiado com os rumos da Igreja Católica. Na paróquia praticava uma ação diferente.
Seu lema era "voltar à igreja das catacumbas", uma igreja de pobres, anterior a Constantino, organizada a partir da base, relendo a Bíblia, orações em conjunto, solidária na fé e na vida, procurando as coisas simples, despojando as formas litúrgicas. Falava como tribuno popular, mas não pregava a revolta.
Pregava a volta da igreja a suas origens. Não sei se ele já tinha tomado conhecimento do início da Igreja da Libertação ou se era um iniciador das comunidades eclesiais de base.
Mas, agora, percorrendo o interior do Brasil, visitando centenas de localidades, descubro o quanto mudaram os costumes religiosos.
A Igreja Católica, vivendo do seu prestígio milenar, de sua organização, de sua tradição, mas com um certo ar de quem está enfermo. O vendaval que a assolou deixou marcas profundas. Os templos estão vazios. Fala-se do padre como uma autoridade que tem seu espaço definido ao longo do tempo, mas não mais com aquela auréola mística e evangelizadora dos tempos da minha infância ou mesmo da minha maturidade.
Acompanhei, há uns três anos, a discussão que na Europa se travou sobre a invasão das seitas. A corrida do povo em busca dos charlatães que invocavam o nome de Deus para curas e milagres.
Não vi esse fato. As seitas, também, estão morrendo. É um fenômeno anormal. Já o mesmo não posso dizer em relação às igrejas evangélicas. Elas proliferam no país de uma maneira impressionante, e, dentre todas, a Assembléia de Deus.
Vi templos cheios, gente simples em busca do amparo de Deus, de Bíblia na mão, orando em conjunto, exercendo um magistério moral, uma filosofia de vida, uma conduta social que outrora eram pregados na Igreja Católica.
Admirei-me com a quantidade de jovens, e sobretudo por ser formada de gente do povo, toda de pobres, que começava a se ver na simplicidade franciscana dos templos, no vestir das pessoas, na linguagem dos pastores, gente sem grande instrução, mas que falava uma linguagem simples que se entendia e iniciava uma conversa diária com o próprio Deus. Indaguei, aprofundei perguntas, colhi depoimentos e conversei bastante com pregadores e adeptos.
A Igreja Católica com a sua organização, os grupos pastorais, politizou-se. Passou a ser a Igreja dos angustiados pela solução política dos problemas. Vejo um grande paradoxo. A Igreja da Libertação, que era a igreja da opção preferencial pelos pobres, deu lugar a uma igreja de elite, com fiéis que são quase militantes. Nas eleições, a política invadiu as paróquias e deu lugar a quase comitês partidários.
Mas a força de renovação da igreja é imensa. Eu, que sou católico praticante, verifiquei esse fenômeno como quem sente que alguma coisa está errada.
Voltaire dizia que era ateu, mas o melhor código moral estava nos dez mandamentos. O papa João Paulo 2º, agora presenciei o quanto não deve ter sofrido nessa crise. Preocupado, procurei, desalentado, o grande sacerdote, este santo padre João Mohana, escritor e teólogo. Ele meu deu a boa nova:
"A tempestade passou e está passando. Os seminários estão cheios."

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