São Paulo, sábado, 26 de novembro de 1994
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Crônica de uma inflação anunciada

CLAUDIO DANTAS DE ARAÚJO

É hipótese plausível que os indivíduos e as empresas nas suas decisões microeconômicas usem a racionalidade e busquem a maximização da utilidade e dos benefícios que, no sistema capitalista, traduzem-se em maximização do lucro.
É plausível também dizer que os indivíduos formam suas expectativas usando a informação de maneira sistematicamente eficiente ao julgar de forma correta e do seu ponto de vista, as informações e a credibilidde das intenções dos responsáveis pela política econômica anunciada.
Assim, os indivíduos e as empresas compreendem como uma determinada política específica está operando e incorporam antecipadamente, às suas decisões microeconômicas, os efeitos efetivos por eles esperados, ajustando-se ao princípio da racionalidade econômica de maximização da utilidade e do lucro.
Isso demonstra que os agentes econômicos não reagem mecanicamente a qualquer ajuste na política econômica, somente porque a teoria –escrita para circunstância e época específicas– anuncia que elevando-se a taxa de juros reduz-se o consumo. Ao contrário, eles tentam perceber o que a variação na política econômica significa para o comportamento da economia e para as mudanças futuras na política e, com esse procedimento, procuram construir as relações macroeconômicas segundo os fundamentos microeconômicos.
As questões de publicidade, da necessária transparência das ações e da credibilidade dos formuladores da política econômica assumem relevante e crucial papel na formação das expectativas dos agentes econômicos.
Suponha-se que o governo anuncie uma redução na taxa de crescimento do volume de moeda. Se as pessoas acreditam, a taxa de aumento salarial será lenta e o governo estará apto a reduzir o crescimento da moeda sem qualquer custo produtivo significante. De outra forma, suponha-se que eles não acreditam no governo. Então o governo estará enfrentando a decisão de fazer o que havia anunciado e criar uma recessão. Ou não fazê-lo, evitando, portanto, a recessão, mas perdendo credibilidade.
Os efeitos macroeconômicos não serão necessariamente aqueles que o governo anuncia, mas aqueles que os agentes percebem e agilmente antecipam nas suas decisões microeconômicas.
Manchetes dos principais jornais brasileiros de 01/11/94 anunciam que o Banco central eleva a taxa de juros da moeda remunerada (BBC) de 28 dias cursados no overnight, projetando uma taxa de juros efetiva para o mês de novembro de 4,04%. E que essa decisão tem como alvo evitar a pressão de consumo no final do ano.
O que percebem os agentes com essa decisão de política?
o consumo, que está pressionado, decorre da escassez, por sazonalidade ou por acidentalidade, de produtos de alimentação básica;
o financiamento do consumo de bens duráveis, além das proibitivas taxas de juros, recebeu restrições administrativas quanto ao prazo;
não houve aumento significativo na massa salarial real que possa ser acusado de pressionar o consumo;
se dentre os motivos principais que condicionam o consumo não está a taxa do overnight, remunerativa de transações interfinanceiras, qual então a sinalização que o governo pretende transmitir?
Não adianta o governo dizer que essa taxa vai evitar o consumo. A mensagem percebida pelos agentes é a de que se o governo está pagando aquela taxa pelos seus títulos, com liquidez plena, sem riscos e com poder liberatório (moeda remunerada), é porque ele mesmo, governo, está esperando uma inflação daquela magnitude para o mês que se projeta.
Os agentes, na sua racionalidade econômica, incorporam as informações governamentais e antecipam suas decisões, fazendo acontecer a inflação antecipadamente anunciada pelo governo através da taxa estabelecida pelo Banco Central para o overnight.
No caso brasileiro, os agentes estão habituados a constatar, diária e persistentemente, por sete anos seguidos, taxas reais de juros sobre a moeda remunerada (overnight). Além disso, muitas vezes, a taxa de um dia é maior do que a taxa de 30 dias e, esta, maior do que aquelas de prazos mais longos.
De outra parte, o secretário do Tesouro exulta (segundo os jornais) por vender Notas do Tesouro com oito meses de prazo com taxa de juros de TR mais 14,14% ao ano para que o Sistema Financeiro lastreie patrimônio de fundos de investimentos e recolha compulsório ao Banco Central. Ocorre que, com a primeira destinação, os bancos não remuneram sequer a inflação e, com a segunda, apenas estão cumprindo simples mecanismo compulsório.
Estes sinais são bem decodificados pelo mercado esperto do segmento financeiro brasileiro, que se utiliza prazerosamente de uma antítese de lei, que é a conhecida levar vantagem em qualquer circunstância.
Tudo isso decorre da substituição de todos os outros instrumentos de política monetária à disposição do Banco Central por um único e desvirtuado instrumento, o overnight, utilizado como panacéia para todos os males da economia brasileira.
Negligenciar esses aspectos do comportamento dos agentes e continuar desvirtuando as leis e instrumentos naturais deste mercado é caminho para o fracasso das políticas econômicas.

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