São Paulo, sábado, 26 de novembro de 1994
Próximo Texto | Índice

As pintas do leopardo

O país já conhece há muito os efeitos perversos de um relacionamento entre Executivo e Legislativo baseado no fisiologismo e na política de varejo. Da busca por um mandato de cinco anos à luta contra o impeachment, passando por todo tipo de projeto, o Executivo, com mais ou menos estardalhaço e desfaçatez, frequentemente busca apoio parlamentar para suas iniciativas de forma pontual, caso a caso e com grupos de parlamentares ou até mesmo indivíduos.
Esse sistema tradicional no país geralmente cobra custos elevados para os cofres públicos, enfraquece os partidos e tende fragilizar a própria eficácia do governo, que acaba dependendo de novas rodadas de negociações a cada novo projeto.
É claro que a força do Executivo num dado momento, o apoio popular e político de que dispõe, as expectativas que comanda, afetam sua relação com o Congresso. Um governo forte pode sobrepujar pressões e não ter de empenhar-se muito para lograr seus intentos junto ao Legislativo.
Ainda assim, o fato é que o atual modelo de relacionamento interpoderes é prejudicial para o país e deve ser modificado. E, nesse sentido, não deixa de ser animadora a iniciativa de Fernando Henrique Cardoso de criar um Conselho Político, composto pelos líderes dos partidos de sustentação do governo. O órgão visa a institucionalizar as relações destas siglas com o Palácio do Planalto, evitando o fisiologismo de balcão e dando transparência à negociação política. Tudo isso, evidentemente, em tese.
Na prática, é preciso notar que a composição desse conselho não é nada tranquilizadora quanto às chances de mudanças nas práticas do poder no Brasil. O arco que conta com PSDB, PFL, PTB e PP (e possivelmente o PMDB) inclui forças notoriamente vinculadas com a velha cultura política que o país quer ver eliminada. A história alerta que a propensão ao clientelismo rasteiro de membros desse grupo não pode ser menosprezada.
Assim, se é saudável a intenção anunciada por FHC de modificar as lodacentas bases do relacionamento da Presidência com o Congresso, é longo o caminho para que se transforme em realidade. É esperar para ver se o futuro presidente terá força e habilidade bastante para fazer o leopardo perder suas pintas.

Próximo Texto: Mercados comuns
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.