São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994 |
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Os usos do brinco
MOACYR SCLIAR O homem –um senhor já de certa idade, trajando terno e usando gravata– estava furioso:– Onde é que já se viu? Brinco no colégio, isso tinha de ser mesmo proibido! Com risco de incorrer em sua sagrada ira, perguntei se aplicaria a proibição também às meninas. Olhou-me com desprezo: – Claro que não. Você é idiota? Claro que não. Meninas podem usar brincos. Rapazes é que não podem. É coisa de bicha, de efeminado. Lembrei que vários homens de cuja masculinidade não se poderia duvidar –bucaneiros, até, e bandidos– usavam brincos, isso sem falar em índios guerreiros. O argumento deixou-o perplexo e irritado: – E os estudantes são índios, por acaso? Não pode e pronto. Ficou em silêncio um instante. Um silêncio intranquilo; queria ganhar a discussão, claro, mas não com o "não pode e pronto": não ficava bem para um cavalheiro estes rompantes. Queria um argumento, um argumento inteligente, e era o que procurava desesperadamente. Por fim, seu rosto se iluminou: – E tem mais uma coisa: o brinco pode ser um disfarce. Disfarce de que, perguntei, surpreso. E ele: – Disfarce para um transmissor, ora. Então você não sabe que eles agora estão fabricando transmissores cada vez menores? O cara coloca um transmissor desses no brinco e está feito: daí por diante, colar é uma barbada. Fica o rapaz na aula, o cúmplice lá fora. O professor dita as questões da prova, o cúmplice ouve, procura as respostas certas e transmite para o cara do brinco. Não é uma barbada? Tive de confessar que sim, que era uma barbada. E tive de confessar que era também uma coisa genial: nem mesmo o Ian Fleming, criador do James Bond, tinha pensado numa coisa assim. – Não é mesmo? – Ele, triunfante. – Não é uma grande sacada? Acho até. Deteve-se, ficou um momento em silêncio, pensando. E aí mirou-me, inquisidor: – Diga uma coisa: quanto é que você acha que daria para cobrar por um brinco desses? Texto Anterior: Ribeirão tem variante do vírus da Aids Próximo Texto: Saiba como evitar os golpes mais comuns Índice |
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