São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Napoleão criou egiptologia

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Soldados! Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!", certamente é uma das frases mais irresistivelmente citáveis de Napoleão Bonaparte.
O maior general de todos os tempos disse isso ao arengar suas tropas antes da Batalha das Pirâmides. Era uma frase de efeito, do tipo que os militares usam para encorajar as tropas antes do combate. Na verdade, a maior das pirâmides do Egito, a de Queóps, tinha então mais de 43 séculos (45 hoje).
Mas mais importante que o resultado da batalha –ganha, naturalmente, por Napoleão–, foi o trabalho de alguns dos integrantes da comitiva francesa. Graças a essa expedição, iniciada em 1798, nasceria uma nova disciplina científica: a egiptologia.
Desde então, nenhum general teria mais desculpa para errar, de propósito ou não, a idade de um monumento egípcio.
A terra dos faraós virou uma das modas do começo do século 19 (o que encorajou o saque dos templos egípcios em busca de relíquias).
Eram raros os ocidentais e cristãos que tinham visitado a região. Havia mais curiosidade –e menos conhecimento– entre os europeus por aquela terra, mencionada na Bíblia e por historiadores gregos como Heródoto, do que se tem hoje por Marte ou Mercúrio.
O próprio Napoleão levou consigo um livro escrito por um viajante. Ele sabia basicamente que a conquista do Egito seria o primeiro passo para destruir o império britânico. Depois do Egito, o alvo seria a Índia, assim como fizera um ídolo do general corso, Alexandre, o grande, da Macedônia.
Para azar do império colonial francês e para sorte da ciência a frota de Napoleão foi destruída no delta do rio Nilo pelo mais famoso almirante de todos os tempos, o britânico Horatio Nelson.
Napoleão voltou à Europa e tomou o poder em um golpe de Estado. Seu pequeno exército de 36.000 homens e seus 151 pesquisadores, acadêmicos, médicos e engenheiros ficaram isolados por três anos no Egito. O resultado foi uma das obras-primas da literatura científica mundial.
Entre 1809 e 1828 foram aparecendo os nove volumes de texto e onze volumes de ilustrações da "Descrição do Egito", escritos pelos pesquisadores.
Não é por nada que ainda hoje a obra é referência básica para os egiptólogos. Alguns dos monumentos, pinturas e esculturas descritos foram desde então destruídos. Só existem na "Descrição".
Não foi um trabalho fácil, pois havia uma guerra em torno. Segundo lembra o arqueólogo francês Jean Vercoutter, o barão Dominique Vivant Denon, um dos principais sábios enviados ao Egito, certa vez teve de parar um desenho para matar um árabe que tinha atirado em sua direção.
"O seu horizonte não está reto", disso o general Antoine Desaix. "É culpa do árabe. Ele atirou cedo demais", respondeu Denon.
A Universidade Princeton, americana, republicou este ano um livro com todos os desenhos arqueológicos da obra. "Monuments of Egypt: the Complete Archaeological Plates from the 'Description de L'Égypte"' foi editado por Charles Gillispie e Michel Dewachter.
Além da arqueologia, o trabalho dos pesquisadores exilados incluiu a descrição dos hábitos da população local e da flora e fauna. A história natural deu largos passos com o trabalho de pesquisadores como Étienne Geoffroy Saint-Hilaire ou Jules-César Lelorgne de Savigny.
Saint-Hilaire, por exemplo, ao estudar peixes coletados na região, percebeu as analogias importantes entre estes animais e outros vertebrados, afirmou Gillispie em um artigo na revista "Scientific American".
Gillispie, historiador da ciência e professor emérito em Princeton, lembra que o principal achado da expedição foi a pedra de Rosetta, que permitiu que a escrita hieroglífica egípcia fosse decifrada.
A pedra foi achada por um oficial francês, Pierre Bouchard. Ela tem o mesmo texto escrito em grego e em egípcio, tanto em hieroglifos como em demótico, a outra escrita do Egito antigo.
Quando os britânicos retomaram o Egito em 1801 a pedra foi parar no Museu Britânico, mas os franceses fizeram cópias dela. O resultado foi que um francês, Jean-François Champollion, que só visitou o Egito em 1828, foi o primeiro a decifrar os hieroglifos.
Uma carta de Champollion de 1822 à Academia de Inscrições e Belas Artes, mostrando seus resultados, é o nascimento da egiptologia, segundo Vercoutter.
O livro pode ser encomendado à Livraria Cultura (av. Paulista, 2073, loja 153, em São Paulo, tel. 011-285-4033)

Texto Anterior: PROCURA-SE 1; PROCURA-SE 2; NUNCA MAIS
Próximo Texto: Viagens trazem síndromes rurais desconhecidas para metrópoles
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.