São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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Justiça absolve Paiakan de estupro

CRIS GUTKOSKI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM REDENÇÃO (PA)

O líder indígena Paulinho Paiakan, 39, foi absolvido ontem das acusações de estupro e atentado ao pudor contra a estudante Sílvia Letícia Ferreira, 20. A prisão domiciliar que Paiakan cumpria havia dois anos na aldeia A-Ukre (a 280 km de Redenção) foi revogada na mesma sentença.
O juiz Elder Lisboa Ferreira da Costa, 28, concluiu que as lesões na vagina sofridas por Sílvia foram provocadas pelas mãos e unhas de Irekran, mulher de Paiakan, também acusada de estupro e atentado ao pudor.
Apesar das evidências, Irekran não foi condenada porque o juiz considerou-a inimputável, de acordo com o artigo 26 do Código Penal. O artigo afirma que os índios não-emancipados são incapazes de entender o ilícito de seus atos, portanto não podem cumprir pena.
A decisão foi de primeira instância e a ela cabe recurso. A família de Sílvia Ferreira, porém, ainda não decidiu se vai ou não recorrer.
Na sentença, lida em audiência pública na Câmara Municipal de Redenção (750 km ao sul de Belém), o juiz criticou várias fases do processo e chegou a defini-lo como "balbúrdia jurídica".
"Não há defesa que resista a tantos impropérios", afirmou Elder Costa, referindo-se a troca constante dos advogados de Paiakan (ao todo foram oito). O último, Wander José de Souza, foi nomeado advogado dativo e precisou apresentar a defesa do líder indígena em apenas três dias.
O juiz apontou falhas nos laudos de corpo de delito e configuração carnal para mostrar que eles não comprovaram a acusação de estupro. Sobre o primeiro laudo, disse que este não citava os meios que provocaram a lesão na vagina de Sílvia Ferreira.
Sobre o exame na bermuda da estudante, que detectou presença de esperma, o juiz observou que o laudo foi feito somente 19 dias após Sílvia ter sido agredida no Chevete de Paiakan, em 31 de maio de 1992.
Ela retornava de um churrasco na companhia de Paiakan, sua mulher e sua filha Maial, na época com quatro anos.
"Perdeu-se a prova-mestra deste processo", disse o juiz. "É impossível atribuir o crime de estupro a Paulinho Paiakan".
Paiakan chegou à Câmara as 9h15 na Kombi da Funai, vestindo bermuda e chinelos e um vistoso colar. Permaneceu imóvel, de pé, durante os 50 minutos que durou a leitura da sentença, ao lado da mulher e do advogado. Suspirou fundo uma única vez quando o juiz anunciava que não havia provas para acusação e que "na dúvida a Justiça decide pela absolvição".
"Mesmo com tudo o que eu sofri, valeu o reconhecimento pelo direito que todos nós temos", disse Paiakan ao cumprimentar o juiz. "Volte para o seu povo", devolveu Elder Costa em tom solene.
O juiz chorou ao ler a última página da sentença, em que uma citação do jurista Mário Guimarães afirma que a "justiça justa" nem sempre é a mais rápida, mas a mais segura.
Paiakan retornou de avião para a aldeia pouco depois de ouvir a sentença, acompanhado da mulher, das filhas Tânia, 9, e Maial, 6, e do administrador da Funai em Redenção, Francisco Oliveira.
"Qualquer um de nós se sente aliviado quando consegue uma coisa boa, eu me sinto aliviado só que eu não posso mais falar", afirmou o líder caiapó.
Segundo o administrador da Funai, Paiakan tem trabalhado numa reserva ambiental próxima à aldeia sob a orientação de pesquisadores canadenses. "Há muito tempo que ele deixou de ser o Paiakan para o pessoal da aldeia e agora vive abaixo de ordem", disse Oliveira.

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