São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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Do preconceito à solidariedade

ROSELI FISCHMANN

A temática do preconceito religioso e étnico tem legislação própria mas, no cotidiano, frequenta zona de sombra e ambiguidade. Todos concordam: existe, mas não deveria existir. Falamos do tema como se estivesse "ali", não em cada um de nós. Os "outros" têm preconceitos. Tentando ser inclusivo, o conceito espelha nossos próprios medos e inseguranças.
Discrimina-se em nome da ciência: dois pesquisadores ganham notoriedade com a divulgação ambígua da conclusão supostamente científica da supremacia de uma "raça". Aqui, certamente, não há uma questão na zona de sombra. O mundo verdadeiramente científico questiona a limitação do conceito de Q.I. e a validação de descobertas, sobretudo quando se arvoram em verdade inconteste.
Discrimina-se na novela: os brados preconceituosos do personagem de Tarcísio Meira contra um jovem negro, personagem de Alexandre Moreno, explicitam a pseudo democracia racial no Brasil. Ou reforçam atos discriminatórios do cotidiano? A ambiguidade do resultado, não necessariamente da intenção, é o espelho de nós mesmos: cada um há de ver o que quiser.
Há dois aspectos nessa questão. O primeiro de ordem ética, determina que todos têm o mesmo direito à vida digna, livre e justa. O outro envolve sensibilidade: de quem sofre a discriminação e a do que é solidário.
Para os que sofrem o preconceito, não há ambiguidade: a exposição é permanente. O risco, constante, e a morte podem chegar pela mão de quem supõe ter o poder de decidir se as vítimas de discriminação merecem viver.
Por isso a solidariedade é um caminho necessário. Não a que gera atos piegas, mas a solidariedade ativa, que compreende nossa condição comum de sobreviventes dos atentados e discriminações. Não contra esta ou aquela etnia ou religião mas contra a humanidade que sobrevive em cada um de nós.
Educar, informar, discernir, aprender a humildade de quanto somos interdependentes. Construir a solidariedade, respeitando as diferentes etnias e tradições, aprendendo a "ouvir o outro", eliminando a ambiguidade. Este também é o apelo que vem das Nações Unidas na declaração de 1995 como o "Ano Mundial da Tolerância".
É preciso trabalhar sobre nós mesmos tanto quanto trabalhamos pelo nosso pão. Ninguém é puro num mundo tão conturbado como o nosso e dependemos uns dos outros para nos reeducarmos e reconstruirmos como seres humanos. Para isso, tanto será indiferente o Q.I., quanto será determinante a ética e a solidariedade.

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