São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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Filme descreve epopéia de uma filmagem

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Seria injusto apresentar "O Apocalipse de um Cineasta" como o "making of" de "Apocalypse Now". Os "making of" são peças meramente publicitárias, correntes na indústria cinematográfica atual.
Aqui, estamos diante de um documentário de verdade, centrado sobre os 238 dias de filmagem de uma empreitada gigantesca –pela produção, pela ambição envolvida e pelo tipo de dificuldades enfrentadas. Ele é que estará à venda, a partir de 1º de dezembro, na 2.001 Videoteca, pelo sistema "sell-thru" (venda direta ao consumidor).
É um lance interessante, porque "O Apocalipse de um Cineasta" é o que se pode chamar de "filme de consulta". Está para o vídeo um pouco como o volume "Hithcocock/Truffaut" (ed. Brasiliense) para a literatura cinematográfica. É verdade que nesse livro Hitchcock passa em revista sua obra. No documentário, trata-se de mostrar as alegrias e agonias envolvidas na realização de um filme.
Boa parte desses problemas é conhecida: atrasos no plano de filmagem, um ataque cardíaco do ator principal (Martin Sheen), estouro no orçamento e até mesmo um tufão que atingiu as Filipinas.
O mérito principal dos diretores Fax Bahr e George Hinckenlooper é transformar esses problemas num exemplo vivo da célebre máxima do diretor Samuel Fuller: o cinema é um campo de batalha.
Para isso recorreram, antes de tudo, à documentação filmada por Eleanor Coppola –mulher do cineasta– durante a produção de "Apocalypse": precioso relato do dia-a-dia de um "set", onde aquilo que sabíamos vagamente, por ler ou ouvir dizer, transforma-se em matéria.
São 238 dias de corpo-a-corpo com o sonho, o temor do fracasso, a morte nas selvas das Filipinas. Eleanor filmou questões graves de intendência (as dificuldades para fazer a sequência dos helicópteros, talvez a melhor do filme, são exemplares). Mas filmou também a angústia de decisões estritamente artísticas, como a substituição de Harvey Keitel por Martin Sheen, no papel de capitão Willard.
A isso, os diretores acrescentaram várias entrevistas feitas posteriormente, com Coppola, Sheen, o roteirista John Milius, o produtor George Lucas. Ao longo delas, tomamos contato com os vários tipos de decisão com que um realizador se vê envolvido, a maneira como se relaciona com o acaso (fatores externos à sua vontade) e transforma idéias em imagens.
No caso específico, e pela extensão do projeto, Coppola tinha de se entender ora com os caprichos de Marlon Brando (que faz o coronel Kurtz), ora com as fofoqueiras de Hollywood. Precisava ao mesmo tempo reescrever partes do roteiro e abafar a notícia do infarto de Martin Sheen (que poderia causar a suspensão do filme).
Trata-se, é claro, de um filme particular. Mas os problemas ali enfrentados dizem respeito, de certo modo, a qualquer filme. Este é o principal ponto de interesse, e o que o torna precioso para estudantes e amantes de cinema: seu caráter didático.
A cada um cabe responder se Coppola esteve ou não à altura de suas ambições (dúvida que parece persegui-lo até hoje). É a sombra dessa dúvida que atravessa o documentário. Pode-se perdoar algumas tentativas de mitologizar a empreitada. Ela se torna secundária diante da honestidade com que a angústia que consiste em realizar um filme é mostrada.

Vídeo: O Apocalipse de um Cineasta
Produção: EUA, 1991, 90 min.
Direção: Fax Bahr e George Hickenlooper
Distribuição: Odessa Home Video
Vendas: a partir de 1º de dezembro na 2001 Videoteca (av. Sumaré, 1.744, tel. 011/872-4912, zona oeste, e av. Paulista, 726, loja 2, tel. 011/ 288-4788, região central)
Preço: R$ 25

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