São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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O dia seguinte

Espera-se que os novos governadores do PSDB se unam para fortalecer o Sudeste em Brasília
LUIZ ALBERTO BAHIA
Algum dia, proximamente, a ação militar no Rio de Janeiro terá fim. Chegará o dia seguinte... E com ele os desafios de segurança pública e outros relacionados à necessidade de andar sem guarda. Situação exigente de uma identidade comum para culturas sub-regionais mal integradas pela decisão violenta da fusão do Estado do Rio ao Estado da Guanabara, pelo governo autocrático da época militar.
Será esta a tarefa principal do governo Marcello Alencar: a da identidade comum para o Rio carioca, para o Rio Baixada e para toda comunidade fluminense. Principalmente a identidade comum para a megalópole do Grande Rio, uma convivência desintegrada socialmente de possuidores e não possuidores, de cidadãos de primeira e de segunda classes, de minoria beneficiária do direito de excluir da propriedade e de maioria pleiteante do direito de não ser excluída da propriedade de micro terrenos nas favelas e loteamentos, muitos deles ocupados em regime de posse.
Integração de identidade social, ao lado da integração de regiões, de populações ainda não tornadas coesas pelo sentimento de ser em comum, para deixar de ser uma compressão demográfica desintegrada aberta à germinação de violências e de contraviolência estatal. Só a criação dessa identidade de ser em comum produz os mecanismos de rejeição aos crimes, organizados ou não, impedindo alianças espúrias entre desempregados e subempregados com quadrilhas de bandidos e traficantes de tóxicos.
As políticas urbanas de erradicação de favelas são desintegrantes, principalmente quando não há respeito efetivo ao direito de não ser excluído da propriedade, isto é, do direito de tornar-se proprietário urbano.
A coexistência necessária –sempre causada pelo binômio emprego-habitação– de grupos sociais heterogêneos reforça-se pela topografia do Rio e do Grande Rio cercados e cortados por montes. A topografia determinou a convivência dos grupos de rendas marcadamente distintas em Copacabana, Tijuca e em quase todos os bairros; forçada a integração topográfica, resta a solução correta que conduz à segurança: a urbanização progressiva das comunidades degradadas.
Aqui aponta questão mais geral determinante dessa solução. A do desenvolvimento da região estadual no quadro do Sudeste, tendo à frente São Paulo. O destino da megalópole Rio está condicionado a seu papel no Sudeste. Maior ou menor coesão no Grande Rio dependerá de crescimento do emprego e da melhoria substancial da qualidade de vida da população.
Precisa porém ser vencida a preliminar pessimista que antecipa o isolamento do Rio no Sudeste, porque passam ao largo certos fluxos de progresso, tanto regionais como nacionais. Impõe-se em consequência debate urgente sobre a relação do Rio com os demais Estados componentes da região para verificação da procedência da visão pessimista. E depois, se existe risco de isolamento, cuidar de achegar o Rio a essas vertentes, iniciando a ativação possível dos eixos do Paraíba do Sul e do acostamento litorâneo que leva ao centro industrial da Baixada Santista.
Essas linhas, se animadas, evitariam o isolamento através de aproximação –e não de afastamento– do Rio de São Paulo. Ao Rio cabe fazer a sua parte na tentativa de criar-se realmente um ecúmeno, urbanizado em muitos centros, reunindo as megalópoles da Grande São Paulo, do Grande Rio e de Santos. Ao novo governo do Rio urge observar se as outras duas pontas desse triângulo ecumênico possuem a mesma determinação nos próximos decênios. Afastado estaria de vez o fantasma do isolamento do Rio.
De nossa responsabilidade seria o progresso incentivado das cidades fluminenses entre Rio e São Paulo. Elas funcionariam também como pólos de descompressão da excessiva concentração demográfica no Grande Rio.
O mercado ecumenal garantiria o destino do Estado do Rio de Janeiro no Sudeste do Brasil. Na discussão do ecúmeno não se evitariam discussões sensíveis, tais como a da matriz energética –o rateio do gás natural da Bacia de Campos entre Rio e São Paulo–; as das usinas nucleares de Angra, a do mapa portuário na costa Sudeste até o Espírito Santo. Sempre visando fixar divisões de trabalho e especializações. Orientações acertadas dariam segurança econômica aos investimentos privados, que certamente não esqueceriam as vocações turísticas.
Moderada e exorcizada a antecipação pessimista, a situação se compõe com uma realidade altamente positiva: a do alinhamento partidário comum –tucano– nos governos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Espera-se que governadores fortes se unam para orientar suas respectivas bancadas estaduais levando-as a atuações harmônicas com o objetivo de fortalecer em Brasília o Sudeste, da mesma forma que se predispõem outras bancadas regionais.
Para um Rio de Janeiro que não se quer isolado para ter segurança, a coordenação em Brasília de três governadores do PSDB será vital. A vitória econômico-social, no caso de cada um, dependerá do grau de ação em comum.
Logo se vê que o dia seguinte ao da volta aos quartéis no Grande Rio se fará em um contexto político que valoriza a ordem democrática e não autoriza instabilidades incompatíveis com a política de desenvolvimento econômico-social. É desordem a insegurança do tipo vivida no Grande Rio.

LUIZ ALBERTO BAHIA, 71, é membro do Conselho Editorial da Folha. Foi redator-chefe do jornal "Correio da Manhã", membro-associado do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge (Reino Unido) em 1976 e professor convidado do Centro para Estudos Internacionais da Universidade de Harvard (EUA) de 1970 a 71.

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