São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Trinta anos do Estatuto da Terra

JOSÉ GOMES DA SILVA

Visto na perspectiva do tempo, o Estatuto da Terra, ao completar 30 anos hoje, aparece como uma dessas obras ou pessoas que precisam faltar para mostrar sua exata dimensão.
Na verdade, esta nossa primeira lei agrária tem feito muita falta. Por não ter sido suficientemente aplicada, a concentração da terra e da renda no campo cresceram aceleradamente, exportando gente e violência para as áreas urbanas.
Após as sucessivas amputações que sofreu nessas três décadas –algumas causadas pelo temor de que o estatuto, embora sancionado no período militar, viesse a ser aplicado– a legislação agrária apresenta-se hoje como um emaranhado desconexo, que tem na Constituição Federal de 1988 um simples enunciado retórico, cercado de teias imobilizadoras.
Explicando melhor: uma lei agrária é avaliada pela agilidade com que a terra é obrigada a cumprir a sua função social. O velho estatuto, complementado pelo AI-9 e o decreto-lei 554-69, puniam essa desobediência com desapropriações pagas em títulos e preço justo.
Este valor (para ser justo e coerente) podia ser fixado com base na declaração espontaneamente feita pelo proprietário para fins de pagamento do Imposto Territorial Rural.
Além dessas medidas, o estatuto previa, ainda, a tributação progressiva para os imóveis rurais, dependendo da utilização da terra e de suas condições de exploração. Um dos dispositivos contidos nesse item jamais foi aplicado: a alíquota deveria ser calculada pela soma das áreas de todos os imóveis de um mesmo proprietário, qualquer que fosse a sua localização em todo o país.
É claro que uma lei com essa potencialidade transformadora não iria ficar imune à hostilidade dos latifundiários e seus aliados na burocracia e na intelectualidade.
Elegeram um bode expiatório (os defeitos do Cadastro de Imóveis Rurais), montaram com leilões de gado a caixa financiadora e o estatuto recebeu o golpe de misericórdia com a constitucionalização da falácia da "propriedade produtiva", em 1988.
A questão da terra, porém, é uma espécie de Fênix, que sempre ressurge das cinzas. Nesta última campanha, não houve candidato que não a defendesse em sua plataforma eleitoral.
Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso e seus reiterados anúncios de reformas (ou será que ele vai ficar na fiscal e na da Previdência?), o Estatuto da Terra pode ser reativado.
Junto com FHC, irão para o poder, tanto no Executivo como no Congresso, diversas personalidades que conhecem o anseio dos sem-terra, dos posseiros e dos sacerdotes e sindicalistas que tombaram.
Oxalá haja o que comemorar, até mesmo simples promessas de novos dias, nessa data de 30 de novembro de 1994.

Texto Anterior: Ceará; Mato Grosso do Sul; Goiás; Paraíba; Rondônia
Próximo Texto: Promotoria recorre de sentença de Paiakan
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.