São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
Texto Anterior | Índice

FHC e a credibilidade

ANTONIO DELFIM NETTO

A idéia de utilizar uma unidade de conta indexada (a URV) para eliminar a inflação inercial foi brilhante não apenas do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista político.
Ela permitiu um programa de estabilização tranquilo. A ausência do "segredo", do "choque" e um certo ar mágico predispuseram as pessoas a dar-lhe credibilidade, pois transmitia a impressão de um timoneiro seguro e conhecedor dos caminhos do mar revolto.
O conceito de credibilidade é importante, ainda que seja difícil defini-lo a não ser "a posteriori".
Um programa tecnicamente correto e que deu certo recebeu a bênção da credibilidade. Se houve um fracasso, é porque não tinha credibilidade (ou porque não era tecnicamente correto).
A credibilidade está envolvida em todas as ações em que existe uma interdependência dinâmica entre agentes econômicos cujos objetivos são conflitantes.
O programa de estabilização compõe-se de uma série de ações (principalmente a eliminação definitiva do déficit público) que são anunciadas hoje, mas vão ser implementadas ao longo de um período de tempo.
Para que seja crível é preciso que os agentes econômicos se convençam de que é do interesse do autor do programa realizar efetivamente as medidas quando chegar o momento adequado.
O "realizar efetivamente" envolve duas questões. De um lado, a feroz vontade política (apoiada no interesse do agente) e, de outro, a possibilidade física (e política) de realizar.
Não é crível, por exemplo, realizar o equilíbrio fiscal apenas reduzindo os gastos com saúde pública ou com o pagamento aos aposentados. E não é possível também obtê-lo apenas com o aumento da carga tributária sem produzir sérios inconvenientes para o desenvolvimento econômico.
Por outro lado, é evidente que o investimento público complementa e dá maior eficiência ao investimento privado, o que significa que não pode ser reduzido.
O equilíbrio, portanto, há de se fazer cortando as despesas de custeio. Isso significa enfrentar as corporações de toda a natureza.
Elas se instalaram dentro do próprio Estado e têm ramificações em todos os poderes, principalmente na sociedade endogâmica de Brasília, que cruza entre si seus parentes. Essa, certamente, não será tarefa leve.
O Brasil é um país tão (in)crível que para obter a estabilização econômica inverteu a ordem dos fatores. A eleição do sr. Fernando Henrique Cardoso tem exatamente este significado: para dar credibilidade ao programa, a população elegeu alguém que está radicalmente ligado a ele e que, na opinião geral, concentra seu maior interesse na execução das ações que complementem o seu sucesso.
Num ato-reflexo intuitivo, a sociedade quis tornar o programa crível por definição. Isso, obviamente, não elimina as dificuldades, mas dá ao novo presidente a oportunidade única de pôr ordem na casa e criar as condições para o retorno ao desenvolvimento, sem o qual nenhum problema será resolvido.

Texto Anterior: O valor de cada um
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.