São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
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O lugar do Brasil no mundo

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

A política externa do governo brasileiro será, neste fim de século, um instrumento fundamental para consolidar nossa estabilização econômica e retomar o crescimento, objetivos estreitamente vinculados ao sucesso de nossa inserção na economia internacional.
Por isso mesmo, o governo e, mais do que tudo, o Itamaraty, terão que habituar-se a ver suas opções e prioridades debatidas abertamente e submetidas às pressões públicas que os interesses e as idéias promovem nas democracias modernas.
O momento é mais do que oportuno, embora tenha contra ele esse manto de silêncio que cai sobre as opções do futuro governo num regime presidencialista. Quem nutre expectativas de influenciar nos bastidores não quer queimar cartuchos num debate público. Outros não desejam que suas idéias sejam julgadas qual fichas lançadas num jogo de influências.
Essas ambiguidades são inevitáveis, mas não podem inibir totalmente o debate, porque não podemos privar o futuro governo de interlocutores na sociedade civil, o que sabidamente as campanhas eleitorais e as equipes de transição não proporcionam.
O Brasil nem sempre tem tido clareza sobre o lugar que quer ocupar no mundo. Esta é a sina comum dos países que ingressaram na modernidade dos Estados-Nação tendo que conquistar sua identidade por oposição às potências coloniais, tendo de afirmá-la contra os imperialismos, ou tentando reinventar modelos de crescimento para escapar à dependência.
A qualquer país é dado reconhecer o "seu" lugar, para tanto bastando suficiente dose de realismo, ou mesmo humildade. Mas o Brasil nasceu com as dimensões de um império continental e com um raro senso de futuro que, para além de suas limitações, que ainda são muitas, distingue-se entre as nações. Por isso o Brasil não se contenta com o "seu" lugar, quer construí-lo.
Pensar no lugar pelo qual o Brasil deve lutar é, antes de mais nada, pensar num país que retomou o crescimento com estabilidade, disposto a inserir-se no mundo pela via da competitividade, em vez de proteger-se da competição; preparado para assumir as responsabilidades que decorrem de sua liderança, em vez de esperar que o mundo reconheça sua excepcionalidade; conhecendo suas limitações em vez de revoltar-se contra elas.
Estamos, hoje, entre as dez primeiras economias do mundo e, em poucos anos, poderemos estar entre as cinco primeiras se retomarmos o crescimento sem abandonar a trilha da estabilidade e da abertura econômica. Será tempo, até lá, de assumirmos o que realmente somos, em vez de nos deixarmos levar pelo ressentimento ou pelo ufanismo.
Temos, em primeiro lugar, uma inegável vocação continental, que ora se afirma na pujança de nosso comércio com a região, particularmente com o Cone Sul e com os Estados Unidos, na qualidade de nossa interação cultural com o continente, na liderança que nele somos capazes de exercer.
Em nenhum momento poderemos esquecer que somos uma potência sul-americana, profundamente enraizada em todo o subcontinente, com laços econômicos, culturais e de consanguinidade que nos unem a todos os países vizinhos.
Esse lugar já é nosso, mas nem sempre tivemos clareza de que assim deve ser por opção, não apenas por vicissitude geográfica. Nosso primeiro compromisso internacional é, portanto, com a consolidação da paz e a construção da prosperidade no continente americano.
Também somos um país atlântico e toda nossa história, das mais belas às menos nobres das páginas, foi escrita no mar Oceano ou a partir dele. Antigos laços de comércio, de formação étnica e de cooperação em todos os níveis nos ligam à outra margem do Atlântico, seja na Europa, seja na África e dali para além do Cabo, em direção ao Oriente extremo.
Além de ligar-nos ao Cone Sul, esta parte que nos é particularmente cara do Atlântico é caminho para a região austral da África, onde aquele continente vive hoje talvez sua mais importante experiência desde o início da descolonização. Refiro-me à tentativa de criação de novas sociedades multirraciais, constituídas em Estados democráticos de avançada engenharia institucional, destinada a respeitar a regra da maioria e preservar os direitos das minorias.
A oportunidade que se abre com a democratização da África austral e com a estabilização e a expectativa de recuperação de nossa economia aponta na direção de relações mais duradouras porque entre parceiros mais previsíveis, mais maduros e mais decididos na construção de seu futuro.
Serão também relações mais integradas, pois poderão envolver não apenas o comércio que, como dizia um clássico, suaviza os costumes, mas também a ciência e a tecnologia, que os torna mais confiáveis.
Em suma, nosso lugar no mundo é entre os maiores e os melhores, e isto hoje depende, primeiro que tudo, de nós mesmos. Nosso lugar é no continente americano e com ele está nossa primeira responsabilidade de compartilhar uma região que desfruta da paz e luta com todas as suas forças pela prosperidade geral.
É daqui que olhamos para o mundo, com os pés na terra banhada pelo mar oceano, de onde vieram nossos pais.

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