São Paulo, quinta-feira, 1 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imprensa real

Em suas falas, o presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, tem insistido que o seu governo será um processo. Ele próprio explica: não haverá sobressaltos nem surpresas. Tudo será transparente e gradual, fruto de conciliações e consensos. É ver para crer.
Em todo caso, se as promessas do futuro presidente se concretizarem, a imprensa enfrentará um grande desafio. É como se lhe roubassem a matéria-prima de que é feita, sobretudo no Brasil dos últimos anos, no qual as manchetes dos jornais foram basicamente forjadas a partir das notícias sobre o último plano econômico ou o mais recente caso de corrupção.
É claro que seria ingenuidade acreditar que o Plano Real conduzirá a economia brasileira à estabilização sem nenhuma espécie de problema ou que a corrupção será erradicada do país. Ainda assim, sabe-se que o plano é consistente e que Fernando Henrique não é Fernando Collor, de modo que o cenário que se vislumbra é, do perverso ponto de vista jornalístico, menos espetacular. É improvável que uma manchete acerca do atraso cambial ou da flexibilização dos monopólios provoque corrida às bancas.
Essa situação, embora represente hoje um desafio para os jornalistas, pode também levar a imprensa a conquistar o seu "lugar natural", sem abrir mão de seu papel de órgão fiscalizador. Afinal, países mais traquilos do que o Brasil também exercem jornalismo diário.
É difícil dizer qual é o "lugar natural" do jornalismo brasileiro, mas, a confirmar-se a tendência insinuada pelo próximo governo, os profissionais da comunicação terão de empenhar-se mais na análise e explicação de complexos mecanismos políticos e econômicos. O didatismo será fundamental.
Com a possível reinserção do Brasil nos mercados mundiais, o noticiário internacional tenderá a ganhar importância. Processos de longo prazo e pouca emoção como a reestruturação das redes públicas de educação e saúde também deverão receber maior atenção. É preciso, porém, que esses temas, que não costumam liberar a adrenalina do leitor, sejam tratados de maneira a torná-los interessantes. Isso exigirá, acima de tudo, inteligência.

Texto Anterior: De pedra em vidraça
Próximo Texto: Um bom jornal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.