São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nos anos 60, terrorista dava aula de OSPB

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Em 5 de novembro de 1969, quando os meios de comunicação informaram o país de que o inimigo público número 1, Carlos Marighella, havia sido morto a tiros em uma esquina da alameda Casabranca, comemorei a proeza do regime militar com a mesma intensidade com que festejaria, no ano seguinte, a conquista do tricampeonato de futebol no México.
Tinha 12 pubescentes anos à época e estudava em uma escola estrangeira, onde nenhuma aula era ministrada em português. A rara exceção se constituía em uma modorrenta matéria então imposta pela lei, a extinta OSPB (Organização Social e Política do Brasil).
Dona Latife nos ensinava OSPB com empolgação comparável à do professor de literatura vivido por Robin Williams em "Sociedade dos Poetas Mortos". Não me recordo ao certo qual sua ligação com a Escola Superior de Guerra, mas lembro que dona Latife costumava se vangloriar das palestras de que participava naquele instituto.
Tinha grande afeto por dona Latife, uma senhora de meia-idade que, a todas as horas do dia, aparentava ter acabado de sair do cabeleireiro. Gostava especialmente quando ela fugia da chatíssima aula e divagava sobre os atos de bravura perpetrados por heróis do Exército na luta contra os terroristas sanguinários que tentavam desbaratar a Ordem no país.
Lembrei de dona Latife outra noite, ao assistir a emocionada entrevista em que Clara Charf, viúva de Marighella, falou a Jô Soares sobre a honradez e o patriotismo do marido.
É bobagem dizer que o Brasil não muda e não aprende com sua história. Se isso fosse verdade, hoje não saberíamos que os verdadeiros vilões são as donas Latifes da vida, que usam de métodos selvagens para distorcer a realidade.

Texto Anterior: Editora vai premiar quem achar boneco de Sabino
Próximo Texto: Pela culatra; Escassez; Lixo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.