São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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MUITAS CRIANÇAS ESTÃO NA GUERRA DE VERDADE; Crianças vão às guerras para não passar fome

CLAUDINÊ GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHINHA, DE GENEBRA

MUITAS CRIANÇAS ESTÃO NA GUERRA DE VERDADE
Dezenas de milhares de crianças na América Latina, Europa, África, Ásia e Oriente Médio são soldados de verdade.
Essas crianças atiram e levam tiros para valer e nunca tiveram tempo de brincar de guerra no videogame nem de torcer para aquele super-herói que a gente tanto admira.
Longe das telas, no meio do mato ou do deserto, meninas e meninos lutam para continuar vivos, nas guerras planejadas e decididas pelos adultos.
Às vezes, participar de guerras é a única forma de algumas crianças de determinados regiões do mundo, como na África ou Afeganistão, serem respeitadas.

Acordo proíbe lutar com menos de 15 anos

Ninguém sabe exatamente quantas crianças estão nas guerras. Mas muitas pessoas no mundo todo e grandes organizações humanitárias (que cuidam do bem-estar das pessoas), como a Cruz Vermelha Internacional e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), estão preocupadas com esse problema.
Um grupo de especialistas se reuniu em Genebra, na Suíça, para estudar mudanças na Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança.
Essa convenção é um acordo entre 155 países. O acordo foi aprovado em 1989 e proíbe a participação em combates de crianças com menos de 15 anos de idade.
As organizações humanitárias querem aumentar esse limite de idade de 15 para 18 anos.
Claro que isso não vai resolver o problema, mas vai dar força à lei que pune (castiga) responsáveis, dizem as organizações.
Dois professores, um canadense e um norte-americano, estudaram durante dois anos a participação de crianças nas guerras e acabam de publicar o livro "Crianças Soldados".*

*"CHILD SOLDIERS" ("Crianças Soldados", em inglês), de Guy Goodwin-Gill e Ilene Cohn, editado pela Oxford University Press, Nova York, EUA. Estudo encomendado pelo Instituto Henry Dunant, de Genebra, Suíça.

Crianças vão às guerras para não passar fome
As crianças vão às guerras por três motivos principais: 1. As crianças não podem ir à escola porque geralmente elas são fechadas ou destruídas nos países em guerra. 2. As crianças não podem mais trabalhar nas plantações por causa das minas (armadilhas) ou dos combates. 3. Elas ficam abandonadas porque seus parentes ou vizinhos foram presos ou assassinados.
Essas razões levam muitas crianças a entrar "voluntariamente" nos Exércitos ou movimentos de guerrilha. Ir à guerra é um modo de sobreviver porque, mesmo nos países pobres, soldados não morrem de fome.
Um exemplo de crianças "voluntárias" são as crianças palestinas que participam da "intifada", a revolta de pedras nos territórios ocupados por Israel.
O sentimento de vingança também pode levar crianças a entrar na guerra. O fanátismo religioso pode fazer com que as crianças que combatem sejam vistas como mártires, como aconteceu no Irã.
Também acontece o recrutamento forçado. Na Guatemala, o próprio Exército sequestra crianças e adolescentes para completar o contingente (soldados que formam o Exército). Em 1991 isso acontecia em El Salvador.
Em Moçambique, tanto o Exército como seus inimigos da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) sequestravam crianças para participar da guerra civil. A Renamo obrigava a criança a matar um vizinho ou parente e assim ficar marcado pela sociedade, não podendo mais deixar o movimento. Houve eleições recentemente em Moçambique e existe esperança de paz nesse país.
As crianças soldados são resistentes, sobrevivem melhor nas florestas, não reclamam e obedecem às ordens, afirmam os chefes de guerra.
O que fazer
As organizações humanitárias querem aumentar para 18 anos a idade mínima para o recrutamento militar e cuidar para que todo mundo obedeça a essa norma.
A Cruz Vermelha Internacional, por exemplo, que trabalha nas regiões em conflito, pode cuidar desse controle.
Outra intenção é só dar ajuda internacional aos países que respeitarem a idade do recrutamento militar.
Voltar à vida normal ao final da guerra é difícil. A educação precisa ser o principal programa de desmobilização desses combatentes, ou seja, é preciso educar as crianças para que deixem de ser soldados. Os especialistas concordam que tudo isso ajuda a resolver o problema, mas que a verdadeira solução seria acabar com as causas desses conflitos.

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