São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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Fascínio da perversão move "Exótica"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Exótica
Produção: Canadá, 1994, 104 min.
Direção: Atom Egoyan
Elenco: David Hemblen, Mia Kirshner, Bruce Greenwood, Don McKellar
Onde: Metrópole, Top Cine e Eldorado 6

Se "Exótica" tem um mérito é ser direto nas fantasias de que trata. No caso, tudo gira em torno do fascínio que a dançarina de striptease Cristina (Mia Kirshner) exerce sobre o fiscal de impostos Francis (Bruce Greenwood). Francis se liga na moça e no papel de colegial, que ela representa quando tira a roupa.
Cristina se apresenta no cabaré Exótica, onde as moças se despem junto à mesa de cada cliente. Esse caráter privado do espetáculo tem uma contrapartida. O cliente nunca pode tocá-la.
"Exótica" investe, assim, nesse deslocamento que consiste em aproximar radicalmente os dois personagens e, em seguida, criar uma interdição. Esse interdito ganha um caráter romanesco porque o ex-namorado da moça é quem faz a apresentação das dançarinas. Ele induz Francis a tocar em Cristina –para melhor expulsá-lo de lá– quando desconfia que a garota está dando ao rapaz uma atenção mais que profissional.
Ao mesmo tempo, Francis é um profissional e tem por função examinar os livros de Thomas (Don McKellar), dono de uma loja de animais exóticos. O que se trabalha, neste eixo da história, é a passagem da investigação contábil à pessoal. Ao examinar os livros da loja, Francis passa a devassar a vida do outro. Daí à chantagem (e também ao elo que a chantagem cria entre duas pessoas, igualando os diferentes) é um pulo.
É evidente que, com tais elementos, Egoyan –cineasta nascido no Egito e naturalizado canadense– dê a seu filme um tom sombrio. Porque sombrios são seus personagens, apanhados nessa encruzilhada entre "normal" e "anormal", moral e amoral, racional e instintivo.
Para usar o título de um filme de Denys Arcand (outro canadense), há pouco exibido no Brasil, trata-se de falar de amor e restos humanos. Restos no sentido em que o homem é visto como um ser deslocado em relação a si mesmo.
"Exótica" –que levou o prêmio da crítica no Festival de Cannes/94– é como um levante das sombras. Algo muito uniforme (quase lembrando certo expressionismo alemão transplantado para um Canadá fim de século) para não causar impacto. E também muito uniforme para não levantar a lebre: de certo ponto em diante, o pessimismo é uma forma de coqueteria intelectual, está lá mais para agradar do que para ser.
"Exótica" é o quinto filme de Egoyan, o primeiro a ser exibido comercialmente no Brasil. Não é para rifar de cara. Mas todo espectador estará no direito de sair do cinema e pensar: "Com licença, vou ler um pouco de Chesterton, tão otimista, mas tão vital."

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