São Paulo, sábado, 3 de dezembro de 1994
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Obra de Krieger recebe prêmio do MinC

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Edino Krieger, 66, é um dos maiores compositores brasileiros ainda vivos e, apesar de inédito na programação das rádios FM, recebeu pelo conjunto de suas quase 60 partituras o Prêmio Nacional de Música de 1994, concedido mês passado pelo Ministério da Cultura.
Catarinense, Krieger foi aluno de H. J. Koellreutter no Rio e de Aaron Copland nos EUA. Peças suas como as "Variações Elementares" para orquestra de câmara ou "Canticum Naturalis" integrariam qualquer antologia de música contemporânea erudita brasileira.
Certa vez, um critico argentino escreveu que uma de suas músicas era ruim "porque não faz chorar". A resposta: "Para chorar, o melhor é cebola".
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.

Folha - Há compositores talentosos que saem dos conservatórios e não encontram espaço junto ao público. Por que se produz música erudita em circuito fechado?
Edino Krieger - É o que está ocorrendo, apesar de o Brasil ser um celeiro de criação musical, em todas as vertentes da produção. Temos um folclore invejavelmente variável, uma música popular urbana que é a melhor do mundo.
Folha - Qual, então, a razão dessa marginalização?
Krieger - Essa forma de música, que desde Mario de Andrade chamamos erradamente de erudita, é praticada por muitos jovens. Não faltam talentos. Falta é uma infraestrutura de apoio.
Folha - O sr. fala do Estado?
Krieger - É função do Estado dar apoio à arte. Existe uma parte da produção musical que tem condições de ser absorvida pelo mercado. Mas nem tudo o que o mercado pode absorver tem valor, e nem tudo o que tem valor o mercado absorve.
Folha - O que o mercado está hoje disposto a absorver?
Krieger - Há uma demanda crescente por parte do consumidor de discos. Trata-se de música mais tradicional. Mas o mercado, por si, não vai absorver a produção de agora.
Folha - Então, o que fazer?
Krieger - A Holanda, por exemplo, possui duas instituições mantidas pelo poder públicas –as fundações Donemus e Gaudeamus– que publicam revistas, editam discos, partituras e catálogos de novas obras. É por esses canais que a música chega ao mercado.
Folha - O "pós-modernismo" musical não reaproximaria a produção erudita do público?
Folha - Essa aproximação já está ocorrendo. Minhas obras têm um bom trânsito. Há uns 20 anos, os compositores torceriam o nariz porque não seria boa uma música aplaudida. Hoje, a procura da originalidade deixou de ser obsessão.
Folha - Mas o sr. se voltou a formas harmônicas que consideraria, no início de carreira, concessões às formas tradicionais.
Krieger - Isso foi até o início dos anos 50. Hoje me sinto à vontade para utilizar procedimentos técnicos como séries melódicas e harmônicas e também características como os ritmos marcantes da tradição musical brasileira.
Folha - Será que não estaria se abrindo, também, uma nova porta de entrada à música erudita contemporânea, porque a ela também chegam os partidários do rock que radicalizaram seus padrões estéticos?
Krieger - É o que ocorre aqui, mas não de modo manifesto.
Folha - O que o público está esperando hoje?
Krieger - Até meados do século havia uma defasagem entre a capacidade de audição do público e a imaginação criadora dos compositores, que estava algumas décadas adiante. O ouvido coletivo permanecia condicionado ao som do barroco ou do romântico. Mas o ouvido coletivo sofreu um grande progresso.
Folha - A partir de que fato?
Krieger - De vários, inclusive do rock, que, apesar de não ter minhas simpatias, incorporou procedimentos que eram exclusivos dos compositores de vanguarda.
Folha - E a ousadia nas composições de músicas de filmes?
Krieger - O filme e a televisão foram instrumentos de atualização do ouvido musical: de vez em quando ouço alguns sons de música incidental que são muito livres em termos de linguagem.
Folha - O sr. continua compondo jingles e trilhas sonoras?
Krieger - Minhas incursões nesses campos foram esporádicas. Na música popular também. Não posso competir com gente como Caetano ou Chico Buarque.
Folha - O que o sr. está produzindo neste momento?
Krieger - Estou trabalhando no terceiro movimento de um concerto para dois violões e orquestra de câmara, que me foi encomendado por uma gravadora belga e que será gravado pelo duo Assad.
Folha - Dos compositores do pós-guerra, quem ainda será ouvido daqui a 200 anos?
Krieger - Isso depende de muitas coisas. Stockhausen, por exemplo, exige um grau de perfeição e uma execução que ele mesmo comanda. Não sei como será daqui a dois séculos. O tempo é um crivo terrível. Há pessoas como Stravinski, Prokofiev e o próprio Villa-Lobos que têm condições de permanência.
Folha - E a música de Edino Krieger sobreviverá?
Krieger - Se daqui a 200 anos, lá de onde eu estiver, eu ouvir algum som parecido com o que eu fiz, ficarei muito feliz.

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